domingo, 30 de novembro de 2008

UM ADVENTO ESPECIAL NA IGREJA DA VITORIA

O Advento é o grande tema de preparação para a festa do Natal. São quatro domingos marcados por essa tônica. Como a Quaresma, que tem cinco domingos como preparação para a Páscoa, o Advento constitui um dos pólos mais importantes do ciclo litúrgico. Natal e Páscoa se encontram e se completam - não há um sem o outro. Ele simboliza a longa caminhada do povo eleito na expectativa do Senhor, de sua vinda. E aí há muitas vindas que se imbricam: a vinda do Messias prometido, a volta do Senhor que muitas comunidades da Igreja dos primeiros séculos esperavam de forma imediata. S. Paulo nas suas epístolas, critica a passividade de alguns grupos que não queriam se engajar na sociedade esperando “o retorno do Senhor”, isto é, ficavam na expectativa “do fim do mundo”. E esse tempo do Advento, na perspectiva cristã, é muito rico. Nesse primeiro domingo a palavra de ordem é “vigiar para que no retorno do Senhor não estejamos dormindo”. Dormir é ficar parado, é não ficar atento à História que passa, é não querer entrar nela e construí-la. A liturgia faz esse apelo para que todos possam perceber Cristo retornando à História dos nossos dias e resgatando dignidades perdidas, através do engajamento de cada cristão.
Pois bem, essa celebração na igreja da Vitória foi marcada com a coincidência do aniversário de ordenação do Pe. Sadoc – são 67 anos de dedicação à Igreja e de serviços aos irmãos. Na missa ele relembrou a trajetória do seu trabalho sacerdotal, começando em S. Cosme e Damião, na Liberdade. “Comecei lá, num bairro sem água, sem esgoto, em alguns lugares não havia luz. Nem igreja havia. Celebrava a missa no terraço de uma casa de família. Depois de alguns anos fui mandado para S. Judas Tadeu. Lá construí a igreja matriz. Um dia D. Eugênio me mandou para a Vitória. Chegando lá, encontrei uma igreja e uma paróquia com tudo desordenado. Na minha posse havia umas dez pessoas. Quem me ajudou foi o governador Luis Viana, que de imediato mandou seu secretário. E logo a igreja foi restaurada”. Dessa forma, ele mostrou como se sentiu feliz em cada uma delas, cada uma diferente, mas que todas deixaram marcas no seu coração.
Na missa houve uma homenagem da paroquiana Lígia Fialho com um “Louvor ao bom pastor”. Assim ela o saudou: “Há pessoas preocupadas com seus problemas e buscam encontrar sempre o melhor sistema para solucionar a dificuldade dos irmãos. Pe. Sadoc é o amigo que em qualquer ocasião está atento às nossas carências – e com imensa alegria vai ouvindo o que lhe dizem em confissão. Em sua mesa nunca falta o bolo, o pão, para os que chegam à sua casa acolhedora. Sua palavra tão humana, é portadora de zelo, de carinho, de cuidado. Discretamente se mantém ao lado, para,assim, repartir sua imensa sabedoria. E é com a maior das alegrias que louvo hoje a esse grande amigo. Ele é um bom pastor que está sempre atento à nossa dor”.
O almoço, no Hotel da Bahia, organizado por Claudelino Miranda,que o cognominou de “Arcipreste”, isto é, o primeiros dentre os sacerdotes, e contou com grande número de amigos: Dr. Edivaldo Brito, o novo Vice-Prefeito, o Comandante Geral da Polícia ,Cel. Nilton Mascarenhas e esposa, o Bispo-Auxiliar, D. Petrini, muitos irmãos sacerdotes, Dr. Valter Pinheiro ( A Tribuna), Prof. José Nilton, Presidente da Mater Salvatoris. Representando o clero, falou o Cônego Edson Menezes, Reitor do Santuário do Bonfim:” Pe. Sadoc é aquele que sente compaixão de todos os que necessitam de ajuda. Cuida dos padres, de qualquer padre, porque todos são seus irmãos. Não mede distância para resolver suas dificuldades. Ele tem a casa sempre aberta, sua mesa está sempre posta. Sua pregação é remédio para os doentes, alimento para o povo de Deus. Carrega as ovelhas mais necessitadas no seu coração. É um servidor, encontra sempre espaço na sua agenda. Ele é alguém que, pacientemente, fala sempre com o coração. Dos seus lábios nunca sai um não”. Foi também lida uma mensagem do Pe. Sílvio Lima;”Pe. Sadoc já faz parte do patrimônio histórico e cultural da Bahia.A Igreja da Bahia sente-se feliz e transborda de alegria ao celebrar o seu sacerdócio Que o senhor continue sempre a ser fiel à Igreja. Ad multos annos, que viva muitos anos”.
Concluindo a série de discursos, o homenageado ainda acrescentou:”Só aceito festa feita pelo coração. Abraço a todos que aqui estão Estou vindo do Senhor do Bonfim, onde hoje lá está a imagem da Purificação, a Mãe da minha terra, a Mãe do Recôncavo Baiano”. E ainda agradeceu ao organizador da festa que reuniu a todos ali:” Miranda faz festa que a História guarda no coração da gente”. E concluiu: “Sou padre por causa de vocês, o rebanho que o Senhor me deu”.

Sebastião Heber Vieira Costa. Prof. Adjunto de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris, do IGHB e do Instituto de Genealogia da Bahia.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pe. Sadoc, 67 anos de sacerdócio O Lampião do Seminário

Para alguns pode parecer longíncuo o ano de 1941, mas para Pe. Sadoc ele está muito próximo à sua história, à sua vocação, à sua vida. Foi no dia 30 de novembro daquele ano que foi ordenado padre pelo Cardeal D. Augusto na Igreja Catedral do Terreiro de Jesus. Já não mais existia a primeira igreja, da Praça da Sé, que ele frequentara como seminarista nos grandes dias de festa, sobretudo na Semana Santa, aquela igreja, mãe de todas as igrejas do Brasil. Os motivos da sua destruição, todos sabem mas não entendem e nem perdoam, sobretudo ele, o festejado, que alem de ser professor de história, é símbolo da história da Bahia.
Ele conserva vívidas lembranças do dia de sua ordenação. Quando terminou a celebração na Catedral, todos se dirigiram para Seminário de Santa Tereza. O refeitório estava ornado de flores, sobretudo o seu lugar. Quanto se dirigiu para o seu quarto ( naquele tempo chamava-se “cela”), lá também havia flores à porta. Do tempo de Seminário ele relata os bons e maus momentos. No livro que comemora os seus 90 anos – Pe. Sadoc, 90 anos, Pároco, Orador e Amigo – ele descreve em minúcias a sua relação com os seus colegas e diretores. Mas ainda está bem presente nas suas recordações o Pe. Luis Negreiros, diretor super-severo, quando ele ainda era seminarista menor, adolescente dos seus 14 anos. Um dia esse diretor , na frente de todos, começou a dizer que no seminário havia um bando de Lampião, que na época estava em plena atividade. E começou a descrever um a um associando-os a algum cangaceiro do bando de Lampião. E o seminarista Gaspar ficou curioso, pois seu nome não fora proclamado. Mas no final do relato, o diretor, solenemente e dando uma ênfase especial, diz que agora é a vez de anunciar o chefe do bando, o próprio Lampião que é Gaspar Sadoc. Apesar do clima de tensão e austeridade, todos os seminaristas estouraram numa grande gargalhada.
Mas o anúncio não ficou por aí. Havia um costume disciplinar, naquele tempo, de castigar os seminaristas deixando-os horas a fio em pé recostados numa das colunas do claustro, sem poder falar com ninguém, enquanto o diretor inspecionava girando de um lado a outro. Foi esse o destino de “Lampião” e do seu “bando”. Mas ele não tem mágoas, relembra tudo isso rindo muito da falta de imaginação, de pedagogia e de espírito pastoral de muitos formadores do seu tempo.
A grande verdade da vida sacerdotal de Pe. Sadoc ( é assim que ele gosta de ser chamado, pois tem o título honorífico de Monsenhor, e afirma que nunca assinou o nome dessa forma), é que sua vida foi sempre um dom, um serviço para todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes, brancos, negros, morenos, amarelos e vermelhos.
Quem convive mais de perto dele, vê e sabe como trata os pobres. As nossas esmolas de cinquenta centavos, um real, ele as dá de dez, vinte, trinta. Há amigos que reagem dizendo que aquela pessoa é drogada, mas ele responde dizendo:”Ele me pediu dinheiro para comida ou para remédio, se vai usar de outra forma, ele que responda diante de Deus”.
A sua sensibilidade sempre foi grande pois é um homem ligado à natureza. Quando ainda estava em S. Cosme e Damião, apareceu na casa dele um cachorro, que ele chamou de Granfino – mas foi o cão que adotou o Pe. Sadoc. Esse o acompanhava em tudo, até nas confissões dos doentes. Ele mesmo conta que havia momentos em que o cachorro ia mexer nas panelas das casas visitadas. Um dia apareceu com uma espécie de derrame. Pacientemente ele cuidou dele – e um dia, repentinamente, ele desapareceu.
Dr. Flávio de Paula, fiel membro da Paróquia da Vitória , no seu livro “Sonhos e Realidades – crônicas e poesias”, relata num artigo intitulado “Tico, o amigo de fé”, que é a história de um passarinho , um tico-tico, que também “adotou” Pe. Sadoc, na casa paroquial da Vitória. Diz o autor:”O pequenino pássaro tem plumagem multicolorida, uma vivacidade fora do comum e temperamento de quem gosta de fazer boas amizades. Seu habitat são as árvores do terreno vizinho e de lá, sempre vigilante, acompanha todos os passos do bom amigo. Basta Pe. Sadoc entrar na sala para que ele apareça na janela, saltitante, cantarolando alguma coisa. É bem provável que, na sua linguagem, esteja dizendo:Paz e Bem”.
E esse passarinho tornou-se íntimo a ponto de, estando o dono da casa à mesa, ele mexer em todos os pratos indo até um frasco de mel que lhe era reservado. O articulista relembra que na festa dos 50 anos de sacerdócio, havia um belo bolo confeitado. Tico não se deu por rogado, pulou para cima do bolo, ciscou, lambuzou-se todo de glacê. Certamente ele pensou : se era do amigo, também ele tinha direito.
Na sua casa, ao lado do Costa Pinto, há alguns pássaros cantores e muitos outros que vivem lá saboreando o alpiste que o dono da casa coloca para os seus amigos.
Estamos receosos que no almoço que o amigo Claudelino Miranda vai oferecer ao homenageado, no Hotel da Bahia, apareça uma revoada de pássaros e, talvez, até alguns cães, para participarem da comemoração.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vida após a morte Ciência e Religião

O Dia de Finados trouxe uma mobilização inevitável pois todo mundo tem algum ente querido a quem recordar nesse dia. A compra de flores, as celebrações da missa se multiplicaram, especialmente nos cemitérios e as visitas aos túmulos.
E a morte é sempre um mistério, para crentes e não crentes. E as religiões reservam ritos e orações especiais para esse momento. Para o cristianismo nascente, as celebrações litúrgicas se desenvolviam nas catacumbas, cemitérios pagãos cedidos para abrigar os cristãos e onde a memória dos mártires era cultivada através do ágape eucarístico.
A comemoração dos fiéis falecidos teve uma expansão a partir da Abadia de Cluny, na França, no século X, ocupando um grande lugar na devoção cristã, chegando ao ponto do Papa Bento XV ( durante a 1ª Guerra) conceder aos sacerdotes católicos o privilégio de poderem celebrar três missas nessa dia, em sufrágio dos mortos.
Independente de crença religiosa, a pessoa humana tem sempre uma interrogação básica, que a própria filosofia natural coloca ao ser pensante : quem eu sou, de onde vim , para onde vou?
Há na pessoa um impulso para o ter que, normalmente, neurotiza a todos e a sociedade. A grande verdade, é que nunca achamos que temos o suficiente. Vivemos voltados para um contínuo amanhã, do qual esperamos sempre mais: mais amor, mais felicidade, mais bem-estar, mais tudo ... Vivemos impelidos pela esperança. Mas no fundo dessa nossa dinâmica de vida e esperança, se oculta, sempre à espreita, o pensamento da morte, um pensamento ao qual não nos habituamos e que sempre queremos afastar. No entanto, a morte é a companheira de toda nossa existência; despedidas e doenças, dores e desilusões são dela sinais a nos advertir.
Mas a morte tem também uma abordagem da ciência e talvez seja o mistério não resolvido da ciência e o mais impenetrável da história da humanidade.
O jornal A Tarde analisou no dia dos mortos num artigo – Vida após a morte – as experiências de pacientes em UTI que descrevem o que sentiam após a parada cardíaca. E nesse sentido, cita o estudo relatado no livro “O que acontece quando morremos”, do médico Sam Parnia, recentemente lançado pela editora Larousse. Essa é mais uma tentativa de chegar mais pero do enigma através de uma minuciosa pesquisa sobre a quase-morte e fatos vivenciados em UTI. E o artigo se desdobra citando vivências de pessoas ligadas à ciência com a experiência de quase-morte. Segundo o neuropsiquiatra Peter Fenwick , do Royal College of Psychiatrists de Londres, essas experiências de quase-morte “são tão alarmantes quanto intrigantes e podem conter a chave para a descoberta do que acontece não apenas quando morremos, mas também para a questão mais ampla da natureza do ser”.
O filósofo Wittgenstein dizia que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Os avanços nesse campo, nos nossos dias, ultrapassam esse ponto de vista. Um dos pioneiros nessa abordagem foi o médico Raymond Moody, autor do livro Vida Após a Morte. Mas Sam Parnia, citado acima, foi mais além. Ele se debruçou sobre o cotidiano no hospital britânico Southampton General, local em que começou a se interessar nas informações dadas por seus pacientes que passaram pelo momento clinicamente conhecido como o ponto de morte. Ele percebeu que a melhor compreensão sobre a morte pode ser atingida ao estudar experiências de quase-morte, quando o coração deixa de bater e , após onze minutos a consciência e atividade cerebral cessam. Segundo ele , esse estado permanece reversível por trinta minutos e é o modelo possível para que a ciência ultrapasse o portal para o desconhecido e construa uma teoria sobre o processo da morte. Diz o pesquisador: “Trata-se de uma brecha excepcional de compreensão para aquilo que experimentamos como o fim da vida”.
Há muitos casos de pessoas que descrevem suas experiências de quase-morte e que contam sua sensação de terem deixado seus corpos Há um caso da Nova Zelândia em que a pessoa diz que “sabia que estava numa existência diferente; em meu estado inconsciente e pensei : então isso é a morte. A única coisa que permaneceu foi que o meu espírito se movia separadamente de meu corpo...”.
De qualquer forma, a morte permanece como um mistério profundo. E podemos nos perguntar se o fato de ser cristão muda alguma coisa no modo de considerar e enfrentar a morte ? Qual a atitude cristã diante da pergunta sobre o sentido último da existência humana, que a morte nos põe continuamente?
A resposta se encontra na profundeza da nossa fé. A morte para o cristão segue as pegadas da morte de Cristo : a morte tem aparência de derrota mas é uma vitória e que é essencialmente não-morte pois aponta para a ressurreição final. Como se dará isso, precisamente, não sabemos. Não cabe à pessoa, de forma positivista, medir a imensidade do dom e das promessas de Deus que nos falou através do seu Filho Jesus Cristo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A 4ª Conferência Jaime Wright Na Faculdade 2 de Julho

A Faculdade 2 de Julho, já octogenária, realizou a sua 4ª Conferência Jaime Wright, homenageando os promotores da Paz e dos Direitos Humanos. O Reverendo Wright notabilizou-se no Nordeste e Sul do país como co-promotor do grupo Clamor, na intransigente luta pela defesa dos Direitos Humanos, no auge da ditadura militar e como expoente do Projeto Brasil Nunca Mais, ao lado do Cardeal D. Evaristo Arns, que foi Arcebispo de São Paulo, e que carinhosamente chamava o Pastor de “meu bispo auxiliar”, é o que informa o folder da Conferência. A CESE, Coordenadoria Ecumênica de Serviço, teve na equipe de fundação o mesmo Pastor.
A Fundação 2 de Julho, que engloba o Colégio e a Faculdade, é norteada por princípios ecumênicos e tem como parâmetro uma linha libertária, a preocupação com a justiça, a plena cidadania e o bem comum. Ela se deixa orientar pelo interesse em registrar para as gerações futuras exemplos de vidas dedicadas à construção da paz e da conquista plena dos direitos humanos. Nessa perspectiva, o Conselho de Curadores, acolhendo essa proposta da Faculdade 2 de Julho, resolveu instituir o Prêmio Jaime Wright de Promotores da Paz e Direitos Humanos, a ser conferido a pessoas e instituições de destaque no cenário nacional, na defesa dos Direitos Humanos e na promoção da cultura.
Este ano os premiados foram: Prêmio Personalidade: a advogada Joênia Wapichana recebeu a homenagem pela sua atuação na causa indígena e pela notoriedade internacional em defesa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Prêmio Institucional: André Feitosa Alcântara representou o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo González Olalla (SP), Homenagem Especial: foi para Diva Santana (Grupo Tortura Nunca Mais), de Salvador, pela trajetória de vida e envolvimento na Campanha Memória e Verdade, que trata da anistia, processos de reparação e luta contra a impunidade dos torturadores durante o regime militar.
A Conferência se realizou de 22 a 24 de outubro e teve uma vasta programação. A abertura foi realizada com a presença de Frederico Fernandes, Superintendente de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos, e de Maria Luiza Marcílio, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP. Os dias seguintes foram enriquecidos com a presença de Paulo Carbonari, Conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e professor de filosofia no Instituto Berthier em Passo Fundo / RS, com o tema “A evolução do Conceito de Direitos Humanos”. A Conferência também contou com a presença de Antonio Carlos Fester, da Comissão Justiça e Paz /SP e de Sérgi Rovira, da Fundacion Cultura de Paz, Espanha, sob o tema “Direitos humanos no Brasil: dilemas e perspectivas”.
Houve um grande enriquecimento com as Mesas Temáticas que trouxeram abordagens de interesse e de atualidade para os estudantes. Os temas foram: Desigualdade Social, Orientação e Discriminação Sexual, Diálogo Interreligioso, Legalidade e Legitimidade, Direito à Informação, Direitos Econômicos, Responsabilidade com a Comunidade, A Evolução dos Direitos da Mulher, Direito ao Trabalho decente, Diversidade Cultural, Acesso aos Serviços Públicos, Meio ambiente, direito à Moradia.
Na Mesa Diálogo Interreligioso, que foi mediada por mim, houve a presença do Pai Pequeno Eldon Tata Kamunguengue, do Terreiro S. Roque no Cabula, que é um Terreiro da linha Angola. Ele apresentou os grandes aspectos que caracterizam os Terreiros dessa tradição, com seus Inquices ( Orixás). E destacou o Mito da Criação que coloca no centro a figura da mulher. Por isso em cada Terreiro dessa linha há uma espirradeira, mas as mulheres são proibidas de tocar nessa planta pois ela é abortiva. E isso é uma proibição do próprio Zambi. Explicou também que o Terreiro está localizado no Bairro do Beiru; esse foi o nome de um escravo ( Beiru ou Quibeiru ) que aqui chegou através do Rio de Janeiro , comprado pelo senhor Hélio Silva Garcia, e que criou um dos primeiros Quilombos da região.
O representante evangélico foi o Pastor Djalma Torres, que é Pós-Graduado em História e Cultura Afro-Descendente, é Presidente do Cepesc, Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão e da Fraternidade de Igrejas Evangélicas do Brasil. Na sua fala destacou que há uma onda fundamentalista no Catolicismo e no Protestantismo, com acentuados recuos no diálogo ecumênico. Também frisou que os grandes teólogos cristãos estão fora das igrejas oficiais. Lembrou Hans Kung com seu livro “Ser cristão”, onde diz que não haverá paz no mundo enquanto não houver paz nas religiões. Também lembrou, a propósito da explosão das Igrejas Neo-Pentecostais, que “a Igreja não é um negócio, algo para se ganhar dinheiro, mas sim um espaço de apoio humano-espiritual e de paz”. Outro aspecto importante lembrado pelo Pastor foi de um erro que acompanha tanto o Catolicismo como o Protestantismo: quando se fala em Teologia, ambos os grupos só pensam no Cristianismo – mas há outras Teologias, como a das Religiões Afras. Ressaltou a importância das religiões não-cristãs no mundo. “Um dos pressupostos do cristianismo”, disse ele, “ é que representa a única religião verdadeira. E onde ficam os valores religiosos da China e da Índia, com suas religiões milenares, onde o cristianismo representa apenas uma parcela ínfima da população?”.
Essa Mesa temática teve uma participação numerosa de estudantes a ponto do horário ser esgotado.
De parabéns a Faculdade 2 de Julho por proporcionar para a comunidade acadêmica mais um evento que dá à Academia a categoria de “Universitas”.

Quatrocentos anos de muita fé.No jubileu da Purificação


Santo Amaro está em festa. A paróquia da Purificação celebra seus quatrocentos anos de criação : 1608 – 2008. A preparação foi feita com muito ardor e devoção. Houve a tradicional novena, com eloqüentes pregadores, grande participação do povo e tudo culminando com os dois dias de festa, o 18 e 19 de outubro. Mas, sobretudo, quem presidiu as festas foi o Senhor do Bonfim, que foi transportado de Salvador e lá permaneceu venerado pelo povo fiel. No último dia, houve a missa solene concelebrada por cerca de 20 padres, e Mons. Walter Pinto presidindo todo o conjunto dos festejos. Mas não podia faltar, no encerramento a palavra do filho dileto daquela cidade, Pe. Sadoc, considerado o “guardião da palavra”, que abrilhantou com seu verbo fácil, eloqüente e devoto, o encerramento dos festejos. Na missa foi oferecida uma cruz a todos os padres presentes. Esse foi um sinal da cruz missionária que circulou naquelas paragens nesses quatro séculos de evangelização. Nela há uma inscrição significativa : ”A missão continua – quatrocentos anos de luz”.
Nesse contexto dos festejos, está sendo lançado um livro do seminarista santamarense Adriano Portela, intitulado : ”Informes históricos da Paróquia de Nossa Senhora da Purificação – Itinerário secular de uma missão”. Nos agradecimentos o jovem escritor agradece aos padres Edílson Bispo Conceição, pároco da infância dele, e Hélio Cezar Leal Vilas-Boas, hoje pároco de Cachoeira, grande incentivador dessa pesquisa.
O sumário contém os principais itens de que a pesquisa trata: 1- a Paróquia da Purificação e o contexto eclesial do período de sua criação; 2- Os padres santamarenses : algumas contribuições da Paróquia à Igreja da Bahia; 3- A devoção mariana no conjunto arquitetônico da matriz da Purificação; 4- A cidade de Santo Amaro e a paróquia da Purificação; 5- Os párocos da Purificação e os seus auxiliares no governo da Paróquia; 6- A Purificação e os seus benfeitores salutares; 7- A ação pastoral da Purificação.
A apresentação é feita pelo Pe. Sadoc que salienta :”A verdade sempre nos libertará, por isso, a pesquisa histórica é muitíssimo benemérita, quando é norteada pela busca da verdade. E, para ser calcada na verdade, importa que o pesquisador coloque, a serviço da verdade, sua mente, seu coração, sua justiça. Gostei e muito aprendi com a leitura dessa pesquisa. Segundo Cícero, a história é mestra da vida, por isso é louvável todo empenho por manter a história viva”.
No prefácio, o pároco, Mons. Walter, além de salientar a importância do percurso histórico que o autor faz, menciona o trabalho pastoral dos seus predecessores:”Fiz um deleitoso passeio pela história desta bonita Paróquia, da sua matriz tão bela, na qual reina majestosa a Senhora da Purificação,cercada por obras de arte de todos os níveis, como também pelo trabalho pastoral desenvolvido por tantos presbíteros, desde o provável primeiro deles, Pe. Antônio Fernandes, até Cônego Hélio Vilas-Boas, meu predecessor. Foi exatamente deste capítulo que mais gostei, pois é sempre do meu interesse o que fizeram, e como escreveram a história, os que vieram antes de mim, no exercício do ministério pastoral”.
A bela matriz, que mais parece uma catedral, teve um percurso. A sede da paróquia da Purificação instalou-se em outras igrejas da cidade. Passou do Engenho de Sergipe até chegar à Praça da Purificação. E tudo se transporta para as origens primeiras no tempo da colônia. A primeira igreja matriz surgiu na sesmaria que pertencera a Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil (1558-1572). Quando essa Paróquia foi criada, a Diocese de Salvador cobria boa parte da colônia portuguesa estabelecida no Brasil, ao lado da Prelazia do Rio de Janeiro, que havia sido desmembrada de Salvador em 1576.
De todos esses momentos históricos, sublinhados pelo livro ora editado, essa comemorações querem nos aproximar.
Não há festa jubilar sem um hino que traduza o sentido, o conteúdo e a beleza das celebrações. A foto da capa do livro da liturgia foi do Pe. Rogério Marcos, pároco da igreja do Rosário. O hino do jubileu coube a Cleusa Maria Cunha, da família do Pe. Sadoc, uma santamarense da gema e que por onde passa, espalha o perfume de sua voz. Por isso, St° Agostinho diz que quem canta reza duas vezes. Seu hino é um convite à oração e ao louvor.

Refrão : “Quatrocentos anos de muito amor. Quatrocentos anos de muita luz. Quatrocentos anos de muita fé. Na purificação da Mãe de Jesus”.
1-“ Purificação de Maria, da mais profunda humildade, lição em todos os tempos ensinando a humildade.
2- Levava Jesus nos braços e apresentou-o no tempo, ela concebida, sem pecado, Ele da santidade o exemplo.
3- O menino esperado Messias, nas mãos frágeis de Simeão, que iluminado o proclamou sinal de contradição.
4- E reservou para Maria antecipados sofrimentos, espada que a faria ser mártir de cada momento.
5- Em terras de Santo Amaro da Purificação, a maior glória é sermos todos escolhidos para construir a sua história.”

A chance de nascer no dia de S. Francisco.Nos 122 anos do Dr. Ernesto Simões Filho


O fundador do jornal A Tarde nasceu em Cachoeira, no dia 4 de outubro de 1886 . Nascer em Cachoeira já é um privilégio pois ela é uma cidade representativa no Recôncavo Baiano. Lá surgiram os primeiros engenhos, portanto, a presença dos escravizados se fez marcante não apenas de forma numérica mas, sobretudo, na qualidade. Quem se interessa em estudar as religiões de matriz afra tem,inevitavelmente, que passar por lá para “beber” na fonte”. Nessa cidade há resquícios dos candomblés mais antigos, certamente proto- candomblés. Pois bem, ao lado dessa moldura que Cachoeira representa, um dos bahianos , dos mais ilustres, enriquece essa cidade tendo lá nascido.
E como se isso não bastasse, ele nasce no dia de S. Francisco de Assis, dos santos da Igreja Católica, um dos mais estimados.
A memória de Dr. Simões Filho, foi renovada numa Missa celebrada no Campo Santo, a pedido de sua família. Lá estavam presentes sua filha,D. Regina Simões de Mello Leitão, Dr. Renato Bocaiúva, diversos outros membros da família, integrantes da diretoria do Jornal, como Dr. Edivaldo Boaventura, jornalista. Florisvaldo Mattos, amigos da família, como o governador Roberto Santos.
Na Missa foi lembrada a importância de S. Francisco, um santo universal, que reintegrou o Cristianismo católico com suas origens, perdido em disputas temporais, especialmente nos séculos XII e XIII. Dessa forma, o cristianismo volta ao seu momento primeiro, aquele que o Gênesis descreve no momento da narrativa da Criação, em forma de parábola :” E Deus viu que tudo era bom”- para cada obra que Deus criara, volta esse refrão, mostrando a origem do criado, que é o próprio coração de Javé.
Francisco reintegrou o que parecia irreconciliável : criatura e Criador - para ele tudo é “irmão” : o sol, a lua, a água, o lobo, até a morte ... temida por crentes e descrentes.
Temos muito a aprender com S. Francisco. – ele é sempre atual.Numa de suas cartas escrita a todos os fiéis, que tem como título :”Temos de ser simples, humildes e puros”, ele diz:
“Sendo Cristo, incomensuravelmente rico, quis Ele, no entanto,junto com sua santíssima Mãe, escolher a pobreza (...) Ó como são felizes e benditos aqueles que amam o Senhor e fazem o que o mesmo Senhor diz no evangelho:’Amarás o Senhor teu Deus e ao próximo como a ti mesmo’(...) Tenhamos caridade e façamos esmolas, já que essas lavam as almas da nódoa do pecado. Os homens perdem tudo que deixam neste mundo;consigo somente levam a paga da caridade e as esmolas que fizeram; destas receberão do Senhor o prêmio e justa recompensa”.
Mas temos também muito a aprender com Dr. Ernesto Simões. Filho. Sua vida continua nas obras que realizou.
Ele teve uma carreira brilhante : visualizou a Bahia numa perspectiva utópica . E aqui utopia não tem o significado do senso comum, isto é, de visionário, irrealista, mas é no genuíno sentido grego, que significa alguém que viu para além do seu tempo. E foi, de fato, isso o que aconteceu com ele. O jornal foi criado em 15/10/1912. Já de início, o jornal trouxe conceitos de renovação, anúncios classificatórios, campanhas editoriais. Em 1913 trouxe um anúncio com uma ilustração fotográfica sobre um filme intitulado “Um salto para a morte”. No aspecto tecnológico em 1914 , modernizou a gráfica importando da Alemanha uma impressora, a Koening-Bauer para substituir a impressora Marinori.
Dessa forma o jornal se tornou um espelho da Bahia nos seus múltiplos aspectos : do cultural ao político, sem deixar de passar pelo social.
E ele também se notabilizou pela carreira política, e foi político combatente. Sua combatividade levou o jornal a uma independência, o que gerou credibilidade até os nossos dias. E o jornal se tornou um canal de liberdade de expressão – essa é a sua vocação que vem dele, do percurso de vida que teve, na elegância, não apenas no vestir, nos modos de falar, no agir.“ A política nos nossos dias não prima pela elegância “, disse Samuel Celestino (coluna do dia 04/10/08 ) – mas ele, sem deixar de fazer política, nunca perdeu a elegância. O jornal tem também uma dimensão ecumênica : é cenário para todas as religiões – lá fala desde a Baia de Todos os Santos até a Bahia de Todos os Orixás .
Concluo lembrando S. Francisco, mas com uma citação que não é dele, é de Pitágoras, (VI a. C.). Mas o valor da busca da verdade ultrapassa os séculos e acompanha a trajetória dos homens e mulheres de bem – e há pessoas carismáticas, como Francisco, que retomam esses valores, em todos os tempos e em todas as religiões. Diz a citação:
“Enquanto o homem continuar a ser destruidor impiedoso dos seres animados , não conhecerá a saúde e nem a paz. Enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor ...”

POLÍTICA, SERVIÇO E AS ELEIÇÕES


Estamos às vésperas das eleições e esta é uma oportunidade para uma reflexão e um assumir esse direito básico – o de voto – numa perspectiva consciente e cidadã. Cada pessoa que vota quer ser representada, e bem representada, naquela instância , executiva ou legislativa. São muitos os descaminhos que permeiam uma eleição. Desde as propostas do candidato quando apresenta sua plataforma política, como a maneira que se impõe ao seu eleitor comparando-se ou denegrindo o seu concorrente, até o que oferece em troca do seu voto. Por causa da falta de consciência sócio-política, muitos eleitores escorregam no imediatismo da troca de votos por alguma benesse. Essa é, infelizmente, a prática que permeia a nossa realidade política.
Mas aqueles que exercem uma autoridade, devem fazê-lo como quem presta um serviço à comunidade e deve ser pautado por princípios ético-morais direcionados à dignidade da pessoa e à lei natural. O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o exercício da liberdade e a responsabilidade de todos. Os que governam devem ficar sempre atentos a que as regras e disposições que tomam não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da comunidade. Os poderes políticos ligados à cidadania podem e devem ser reconhecidos conforme as exigências do bem comum.
O cidadão tem deveres e o primeiro é contribuir com os poderes civis, para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. Mas, por outro lado, o cidadão está obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições são contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos da fé que permeia a vida do cidadão.
Toda a comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a governe. A autoridade tem o seu fundamento na natureza humana. Ela é necessária para a unidade da Polis.O seu papel consiste em assegurar, quanto possível, o bem comum da sociedade. Mas como a autoridade não recebe de si mesma a legitimidade moral, por isso não deve proceder de modo despótico, mas agir a favor do bem comum.
De acordo com a natureza social da pessoa, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum. E este não pode definir-se senão em referência à pessoa humana. Por bem comum deve entender-se, de acordo com a Constituição Gaudium et Spes do Vaticano II, “ o conjunto das condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir a sua perfeição, do modo mais completo e adequado”. O bem comum interessa à vida de todos . Exige prudência da parte de cada um, sobretudo da parte de quem exerce a autoridade. Três elementos são essenciais nessa consideração:
- Supõe o respeito da pessoa como tal. Em nome do bem comum os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana.
- Em segundo lugar, ele exige o bem-estar social e o desenvolvimento da própria sociedade. O desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. Sem dúvida, à autoridade pertence arbitrar, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares; mas deve tornar acessível, a cada qual, aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana : alimento, saúde, educação, habitação, cultura, informação conveniente.
- Finalmente, o bem comum pede a permanência e segurança de uma ordem justa. Supõe que a autoridade matenha a segurança da sociedade e dos seus membros.
Tenho alguns amigos que estão concorrendo às próximas eleições. A eles dedico essas reflexões para que sejam os portadores do projeto de uma política maior que sirva aos interesses do bem comum e não aos próprios..
Em Cachoeira o professor Adilson Gomes Souza concorre pela primeira vez à Câmara de Vereadores daquela Heróica cidade. Não foi em vão que sua apoteótica carreata no último domingo levou à cidade sua mensagem de “educação e cultura”, bandeiras com as quais está tão identificado. Também em S. Sebastião do Passé, o Presidente da Câmara, Janser Mesquita concorre à Prefeitura com o seu vice, que é o Pe. Mateus Lima – ele já foi Pároco da cidade e se “desincompatibilizou” para poder concorrer ao cargo eletivo. Janser sofreu um atentado, há um mês atrás : ele foi ”atroplelado” enquanto participava de um comício seu, por um candidato a vereador de partido contrário – sofreu traumatismo craniano, mas, mesmo com o uso de tipóias e colete, voltou a participar das atividades de campanha. Aqui em Salvador, o Presidente da Câmara, Valdenor Cardoso, tem prestado um bom serviço às comunidades da periferia e representa com dignidade os ideais de serviço ao povo. Vereador Silvoney Salles foi, praticamente, um dos primeiros amigos que descobri, ao chegar em Salvador. E o conheci num S. João em Cachoeira. Ele, além de ser um representante das praças de Salvador – e, é bom lembrar, a praça é o lugar da democracia, pois é um direito de todos se encontrarem nela, portanto, é lá que se inicia o conceito da Polis – ele mantém, há quase vinte anos, obras sociais em Mussurunga, com atendimento médico, biblioteca e orientação psicológica, tudo sob a chancela de sua esposa Zenaide .
Que os bons políticos nos representem bem e que abram espaços para as justas reivindicações dos seus representados.
Diz o Catecismo da Igreja Católica:”Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecer-se como tal,é na comunidade política que se encontra a sua realização mais completa” .(1910).

Cosme e Damião Querem caruru

A Faculdade 2 de Julho tem um jornal de distribuição gratuita – são 50 mil exemplares mensais - e já está no seu terceiro número. Chama-se Folha Salvador. Na equipe de reportagem há uma aluna de jornalismo, Euzeni Dantas, que me entrevistou sobre os santos populares Cosme e Damião. Apresento na íntegra o artigo dela com o título em epígrafe.
Setembro é o mês de homenagear os santos gêmeos. Eles são venerados pelos católicos e pelo povo do candomblé. No culto afro eles são chamados de Ibejis (orixás criança), filhos de Xangô e Iansã. No dia 27 de setembro, na Bahia,é costume os devotos enfeitarem suas casas e oferecerem caruru dos sete meninos, acompanhado de vatapá, feijão fradinho,xinxim de galinha e outros quitutes da culinária afra. Não se cortam todos os quiabos em picadinho: sete ficam inteiros, e a pessoa em cujo prato cair um deles rezará uma missa ou terá que oferecer um caruru. Entre as versões sobre a vida desses santos , uma delas conta que os gêmeos atuavam como médicos e se dedicavam aos mais necessitados, não cobrando nada pelos serviços, motivo pelo qual oram chamados “anargyrós”, que significa “ os que não são comprados por dinheiro” – o objetivo principal deles era a conversão dos pagãos à fé cristã. Essa postura chamou a atenção do Imperador Romano Diocleciano, que determinou fossem perseguidos e presos. Por sustentarem a fé cristã, Cosme e Damião acabaram decapitados.
No Brasil a tradição de homenagear os santos gêmeos originou-se a partir do contato entre os ritos católicos e os africanos. Essa tradição se desenvolveu , sobretudo, na aproximação do diálogo entre duas culturas religiosas, a católica branca e a africana.
Esta última tem seus mitos e, dentro deles, há um que encontrou correspondência na tradição católica barroca, que foi a dos Ibejis, os irmãos gêmeos. Então, quando os afrodescendentes viram essa devoção a Cosme e Damião, associaram com a mítica que eles tinham realizado e concretizado com os Ibejis gêmeos.
O dia que antecede a festa é de muito trabalho, pois consiste na preparação dos pratos típicos. Durante o cozimento do caruru, o pranto principal, familiares e amigos fazem rodízio para mexer a comida. Todos querem fazer seus pedidos aos santos. De preceito ou não ( quando é de preceito, existe todo um número determinado de pratos a serem servidos e todo um ritual, na tradição do candomblé), o caruru é sempre medido pela quantidade dos quiabos.
Comida pronta, reza a tradição, os santos são os primeiros a serem servidos. Depois o devoto escolhe sete meninos que são reunidos em torno de uma bacia no chão ou em cima da mesa. Além do caruru,os meninos recebem bolos, muitos bombons e pirulitos. Músicas são cantadas em homenagem aos santos gêmeos, enquanto os sete meninos escolhidos aguardam ansiosos pela permissão para começar a comer – tradicionalmente comem de mão. Podemos ter a leitura da valorização da criança nessa festa, pois tudo é preparado pensando-se nelas.
Para muitos baianos, as homenagens a homenagem a Cosme e Damião não são opcionais, já se tornaram uma obrigação. “Todo ano tem que fazer, é uma tradição que já vem da minha avó”, dizem muitos, como Solange Maria Conceição, 50 anos, que já faz o caruru para os santos há 30 anos.
No Ofício das Leituras, na Liturgia das Horas, na tradição católica, sobre esses santos se diz: “De antiqüíssimos documentos consta que seu sepulcro se encontra em Cirro, na Síria, onde foi construída uma basílica em sua honra. Seu culto chegou a Roma e se espalhou por toda a Igreja”.
Também nesse dia lê-se um trecho de um dos Sermões de St° Agostinho, sob o título: A preciosa morte dos mártires comprada a preço da morte de Cristo.
Diz o texto:”Pelos feitos gloriosos dos mártires, com que por toda parte se ilustra a Igreja, provamos com nossos próprios olhos que verdadeiro é o que cantamos: Preciosa é aos olhos do Senhor, a morte de seus santos; preciosa não só a nossos olhos, mas aos olhos daquele por cujo nome se sofreu. Contudo, o preço dessas mortes é a morte de um só. Quantas mortes comprou um só ao morrer? Se não morresse, o grão de trigo não se multiplicaria. (...) Como venceriam os mártires, se neles não vencesse aquele que disse:’Alegrai-vos porque eu venci o mundo’. Ó ditosos os que assim beberam desse cálice: terminaram as dores, receberam as honras”.

A Bíblia nossa de cada dia

Setembro é o mês consagrado à Bíblia pela Igreja Católica – para muitos grupos evangélicos é em dezembro. Mas não importa a data, o importante é que a Palavra de Deus seja celebrada. Claro, que todo dia é dia da Bíblia para os que crêem, pois esses sabem que é lá que encontram o alimento espiritual. O mistério da Bíblia é que ela fala da trama humana – por isso há passagens tão obscuras, mesmo no Novo Testamento – mas é lá que a presença divina aparece, parece até que Ele quer fazer desse caminho o seu caminho.
Mas o que é a Bíblia? Basta um simples olhar lançado sobre esse livro para ver que ele é uma coleção de livros, é uma “biblioteca”.Quando as introduções desses livros são consultadas, a primeira impressão se confirma: distribuindo-se por mais de dez séculos: os livros provêm de dezenas de autores diferentes. Uns estão escritos em hebraico (com algumas passagens em aramaico), outros em grego; apresentam gêneros literários tão diversos quanto a narrativa histórica.
Todos esses livros provêm de homens e mulheres com uma convicção comum: Deus os destinou a formar um povo que toma lugar na história, com legislação própria e normas de vida pessoal e coletiva. Foram todos eles testemunhas daquilo que Deus fez por eles. Relatam os apelos de Deus e as reações dos homens: indagações,queixas, louvor,ações de graças.
Este povo posto a caminho por Deus foi, primeiramente, Israel, envolvido nos movimentos que agitaram o Oriente Próximo até os inícios da nossa era. No entanto, sua religião os tornava um povo à parte. Israel conhecia um único Deus, invisível e transcendente: o Senhor Javé. Exprimia a relação que o unia ao seu Deus com um termo jurídico: Aliança.
O antigo povo judaico, cuja dispersão se acelerou com a destruição de seu centro religioso, Jerusalém, em 70 d.C., prolonga-se na comunidade judaica, cuja história movimentada e freqüentemente trágica, se desenvolve na maior parte do tempo em terra de exílio. Independente das múltiplas tendências do povo judaico, todas têm por fundamento a Escritura e notadamente a Lei, venerada como a própria Palavra de Senhor..
O século I da era cristão, ao mesmo tempo que vê o desaparecimento da nação judaica, assiste ao nascimento da comunidade cristã, que se afastou progressivamente do judaísmo, apesar dos seus teólogos terem afirmado que a “Igreja é filha da Sinagoga”. Para os cristãos, a história do Povo de Deus, tinha encontrado cumprimento em Jesus de Nazaré; foi por Ele que Deus reuniu as pessoas de todas as origens para formar um povo regido por Nova Aliança, um Novo Testamento.
Os discípulos de Jesus e seus sucessores imediatos que redigiram o Novo Testamento viam Nele como aquele que concretizaria a esperança de Israel e responderia à expectativa universal tal qual expressa no seio desse próprio povo. Com toda naturalidade, utilizaram a linguagem dos livros santos de Israel com toda a sua densidade histórica e experiência religiosa acumulada no decorrer dos séculos. Conseqüentemente, a comunidade cristã reconheceu no Antigo testamento a Palavra de Deus. As Escrituras judaicas vieram a ser, então, a primeira Bíblia dos cristãos. Mas iluminado pela fé em Jesus Cristo, o Antigo Testamento tomou um sentido novo para eles, tornou-se como que um novo livro. São Jerônimo, no século V dizia que a chave de leitura do AT é Jesus Cristo, pois ela não fala de outra coisa a não ser profetizar Aquele que viria como Messias prometido. Assim, judeus e cristão se vinculam à Bíblia, mas não a lêem com os mesmos olhos.
O leitor constata que a Bíblia não constitui simplesmente um antigo tesouro literário ou uma mina de documentação sobre a história das idéias morais e religiosas de um povo. A Bíblia não é somente um livro no qual se fala de Deus; ela se apresenta como um livro no qual Deus fala ao homem, como atestam os autores bíblicos.
“Não se trata de uma palavra sem importância para vós, é vossa vida”, diz o livro do Deuteronômio 32,47. Também diz o evangelho de João 20,30-31 :”Estes sinais foram escritos neste livro para que creiais que Jesus é o filho de Deus, e para que crendo, tenhais a vida em seu nome”.
Nenhum livro poderá desconhecer essa função do texto bíblico, essa interpretação constante, essa vontade de transmitir uma mensagem vital e de atrair a adesão do leitor. O leitor é livre para resistir e pode apreciar a Bíblia apenas como um literato ou apreciador da história antiga. Mas se lê aceitar entrar em diálogo com os autores que dão testemunho da própria fé e suscitam a necessidade de uma decisão, a questão fundamental,o sentido da vida, não deixará de ser enfrentada por ele. Mas a Bíblia e a fé,embora estejam profundamente enraizadas numa história particular e bastante longa, ultrapassam a História. Os autores bíblicos querem ser os porta-vozes de uma Palavra que se dirige a toda pessoa, em todo tempo e lugar. Através dos séculos, as comunidades cristãs de todas as línguas e de todas as culturas encontraram e encontram alimento neste livro, cuja mensagem meditam e atualizam.

A longevidade do povo do Recôncavo

Chama a atenção dos visitantes e dos que são de fora da Bahia, a longevidade, com energia, dos baianos, sobretudo, daqueles que estão nessa região privilegiada do Recôncavo. Encontram-se com facilidade senhoras que atuam na Paróquia da Vitória, que estão entre os 80 e 90 anos, que assumem funções, como Dona Genoveva, que do alto dos seus 93 anos é uma atuante ministra da Eucaristia, levando a comunhão, diariamente , para quatro ou cinco doentes, e os anima com sua palavra amiga.
Nesses dias, na próxima 3ª feira, a matriarca Dona Canô Veloso estará completando seus 101 anos, bem vividos, bem cantados e decantados. Ela se tornou um símbolo da cidade e do Recôncavo, com sua simplicidade forte, sua devoção à Mãe da Purificação, com seu espírito agregador. Ela congrega a família, filhos, netos e bisnetos, mas reúne a todos em torno de Santo Amaro. Aquela cidade de antigamente, que já não mais existe, continua a existir nela e através dela que revive e reatualiza a velha Santo Amaro. Recentemente, a imprensa consagrou-lhe mais um artigo-documentário onde a descreve como dona-de-casa, especialista nos bons pratos e detentora de segredos culinários que só ela sabe, apesar de ter as mesmas secretárias na cozinha há quase 50 anos. É ela quem continua dando o cardápio diário, quem escolhe o peixe e o camarão oferecido à porta de sua casa. Tudo isso está condensado num livro intitulado “O sal é um dom”, escrito por sua filha poetisa Mabel Veloso. E o título veio de uma resposta despretensiosa que ela dá ao ser consultada sobre a quantidade de sal na comida :”Meu filho, o sal é um dom”.
Naturalmente, que ela é muito bem cuidada por todos que a cercam, e bem merecido. Ela vive plenamente a vida, conectada com tudo que se passa ao seu redor. Ela administra a sua casa, acompanha a vida dos filhos e netos, sabe do percurso de cada um, tem seus programas de televisão favoritos, e, sobretudo, não abre mão de suas devoções religiosas. A Igreja da Purificação é um ponto de referência na sua vida – nada ela faz sem consultar a grande Mãe Maria. Que seu jeito de viver seja uma lição a todos que a cercam e admiram. Que seja sempre feliz e parabéns.
Outra figura de relevo, integrante da Paróquia da Vitória, foi Dona Stela Ataíde Vasconcelos. No dia 03/09 houve uma Missa de Ação de Graças na Vitória, organizada por sua filha mais velha, Professora Mazinete Lemos, celebrada pelo Pe. Sadoc, do qual era muito amiga, pois, se estivesse viva, faria 100 anos. Morreu aos 96 anos, mas em plena atividade. Ela era, e sua memória continua sendo, o centro da família – foi a grande conselheira dos filhos e amigos. Na homilia da Missa, Pe. Sadoc comparou-a a uma estrela e fez um trocadilho com seu nome latino :Stela e Estrela –“Ela continua a brilhar nos corações dos filhos e amigos”. Até poucos dias antes do falecimento, colaborava na Missa indo recolher as ofertas, passando de banco em banco para fazer a coleta.
No final da Missa, sua filha Marigny Vasconcelos Barros, leu uma mensagem que reflete a saudade da família mas, sobretudo a fé que preside a momentos como esse, pois a vida dela foi um irradiação da fé que ela sempre teve.
Diz a oração:
“Senhor Jesus Cristo, Tu és nossa esperança agora e na hora de nossa morte. Contagiados pelas Tuas promessas , aguardamos a Vida Nova que vai brotar de nossas cinzas. Pois, firmemente acreditamos que a morte é “passagem” de nosso ser, de um corpo perecível para um corpo marcado com o selo da imortalidade. Bem sabemos que nosso corpo não pode ir muito longe, já que é produto daqui da terra. Aguardamos outro que jamais perecerá, uma vez que é produto do céu, à semelhança do corpo que Tu mesmo recebestes ao ressuscitar, primícia de uma nova humanidade, que por Ti vive e em Ti espera.
Essa passagem pode ser mistério incompreensível para nós. Mas é mistério de esperança, não de tristeza. Mistério de vida, não de morte. Mistério que dá sentido à nossa existência humana e ao nosso peregrinar por este mundo. É como Tu mesmo disseste Senhor:”Toda semente jogada no chão acaba por apodrecer”. Depois ela volta á luz do sol de roupagem nova e esplendorosa.
Mas se a erva do campo e as flores do jardim morrem e depois renascem, por que o ser humano, uma vez golpeado pela morte, não poderia se levantar de novo?
Obrigado Senhor, por essa esperança, primeira flor de Tua Ressurreição. Pois se, com efeito, sem ela seria terrível enfrentar a vida, mais terrível seria enfrentar a morte”.

UM ATO CONTRA A VIOLÊNCIA

Na 6ª f.,dia 31 de agosto, em S. Sebastião do Passé, houve uma grande ATO a FAVOR da PAZ e CONTRA A VIOLÊNCIA que tem atingido aquele município. Foi no Bairro Quarta Etapa. A iniciativa foi do grupo que está em torno do Presidente da Câmara de Vereadores, que é candidato a prefeito, Janser Mesquita e que tem na chapa o Pe. Mateus Lima como vice. Na semana anterior,o grupo estava em visita a um bairro popular na periferia da cidade fazendo a visita normal nessa fase política, acompanhado de correligionários e com significativa parcela da população. De repente, um carro dirigido por um candidato a vereador de partido contrário, que estava tendo um comício perto daquela área, começa a circular em torno do grupo. Num dado momento ele projeta o automóvel dentro da multidão, exatamente onde estava o presidente da Câmara. Este foi atingido na perna e projetado na calçada. Bate com a cabeça no meio fio e tem traumatismo craniano. Logo é socorrido pelo irmão médico que estava presente, e vem todo o ritual que acontece nesses momentos: ambulância,outras pessoas que passam mal( inclusive a mãe do candidato que estava presente) dirigir-se para o Aliança,etc. Na verdade, se o socorro não tivesse ido imediato, ele teria morrido, pois houve necessidade de oxigênio durante a viagem e outras medidas.
Pode-se imaginar o desconforto público que esse ato provocou na multidão naquele momento. O agressor se evade rapidamente, seguido da multidão que queria linchá-lo, mas deixa o carro numa rua sem saída e foge. As providências no campo jurídico estão sendo tomadas, pelos trâmites legais. Mas fica uma pergunta: qual o interesse em alijar esse candidato do processo democrático de disputa a um cargo público, ele que já é um homem público ( já está no quarto mandato como vereador), é filho do ex-prefeito, já falecido, Jacildo Mesquita, tem um trabalho reconhecido pelo povo e conta com grande aprovação do seu eleitorado?
Nesse ATO pela PAZ, houve uma presença significativa que foi o comunicador Varela, amigo do grupo. Pode-se imaginar o delírio do público ao vê-lo pessoalmente. Várias pessoas cercaram-no para pedir autógrafos. E ele começou sua fala dando um grande cartão vermelho àquele gesto de violência, de desrespeito à pessoa, àquela agressão. Apontando para Janser, presidente da Câmara, na sua primeira aparição pública depois do atentado que sofreu, com a perna engessada e com um colete de apoio no pescoço, falou de sua saúde , dos transplantes a que foi submetido e como nunca perdeu a fé em Deus:”Fui desenganado pelos médicos, mas nunca fui desenganado por Deus”. Com relação à violência, lembrou que violência gera violência e que o povo saberá responder àquele gesto na paz e no espírito democrático:”Se o cão morder a sua perna, não morda a perna do cão”. E ao mesmo tempo exaltou as virtudes do candidato, que é considerado por todos um homem de paz: “Só se atira pedra nas árvores que dão fruto”.
Na verdade, vivemos nesses dias, tempos onde o medo se espalha rapidamente. A nossa sociedade brinca com a vida e com morte – há uma brutalidade que nos choca. A última Campanha da Fraternidade lançou aquele apelo tão forte a favor da vida e contra todas as formas de violência e de desrespeito à pessoa. Mas há um instinto à vida, lá no íntimo todos querem combater a violência, que é diferente do instinto do mal que sempre prevaleceu na história da humanidade – hoje há requintes ideológicos que permeiam essa violência. Ser contar a violência é um desejo “natural”. E isso tem um porquê. É que a violência contradiz a lei básica de Deus que quer que “todos tenham vida e vida em abundância”. Toda vida vem dEle, é uma emanação da vida que é Ele próprio. E outro aspecto desse “instinto” contra tudo que cheira a violência, é porque ela contradiz a dignidade humana. Cada pessoa é única, é sagrada, é sempre “imagem e semelhança” do Criador.
E, sobretudo, na razão da violência que houve em S. Sebastião do Passé, no âmbito político, idéias se combatem com idéias e não com agressão física, pois do contrário, estaríamos voltando para aquela prática política retrógrada e primitiva do tentar calar a boca do adversário a qualquer preço, sobretudo, usando o apelo da força.
Conhecemos o pensamento proverbial dos romanos :”Se queres a paz, prepara a guerra”. E conhecemos as conseqüências desse axioma. Hoje temos que dizer o contrário:”Se queres a paz, prepara a paz”. Os grandes líderes da humanidade, seguindo as pegadas de Cristo, deram a vida lutando pela paz. Cito dois que são emblemáticos: o Pastor Luther King, que continua o seu sonho no sonho dos que plantam a paz e Gandhi, que pacificamente e na sua morte, deu a libertação a seu povo.
Hoje há uma violência que tem caráter filosófico e tem origem na banalização da vida – tudo é descartável. Isso é fruto do materialismo e consumismo no qual estamos imersos. Num outro aspecto, ela vem como conseqüência do problema social em que estamos imersos: a exclusão social, o desemprego , que faz dos jovens presas fáceis .
Mas a violência que houve em S. Sebastião do Passé foge a esses parâmetros, ela é ideológica, covarde, quer ser a lei do mais forte. Na verdade, a violência é a força dos fracos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Mons. Walter Pinto e a Missa da festa do Orago S. Bartolomeu

No domingo passado ( 24/09/08), Maragojipe esteve em festa por causa das celebrações do seu Padroeiro, S. Bartolomeu.O Pároco, Pe. ReginaldoMoraes, na mensagem do Programa da Fest, conclamou “os paroquianos e todos os batizados a vestirem a camisa de Jesus Cristo, como o fez S. Bartolomeu”.
A Missa solene das 10:00 h foi celebrada pelo Mons. Walter Pinto, Pároco de S. Amaro, Vigário Episcopal do Recôncavo e concelebrada por mais quatro padres.
Na homilia, ele apresentou importantes elementos constitutivos da vida cristã. Deixo que ele mesmo fale :
“Começamos essa homilia com uma pergunta : O que define o cristão ? Os conselhos de Jesus no Evangelho aqui formulados adquirem sentido pleno no contexto do caminho de Jerusalém :’ Se alguém quiser me seguir e não renunciar a seus familiares, não pode ser meu discípulo’.
O que define especificamente o discípulo de Jesus ? A opção responsável e definitiva por Cristo e pelo seu Evangelho é o que especifica esse discipulado. Trata-se de uma característica e não de uma mera pertença sócio-religiosa à Igreja. Os conselhos evangélicos, as advertências e os apelos de Jesus são para todos. Seguir a Cristo como discípulos tem um preço. É o que nos é apresentado por Jesus: a entrega total e a plena disponibilidade para Ele., pondo o valor do seguimento do Reino de Deus acima de todo o afeto humano. Quem recebeu a fé por herança familiar, encontrou o caminho feito e pode julgar-se isento de procurar o rosto de Jesus vivo. Mesmo se não há uma opção pessoal por Cristo, nunca chegaremos à meta pascal do cristianismo, isto é, ser homens e mulheres que nascem de novo continuamente através de uma conversão contínua a Deus através de Jesus Cristo na força do Espírito Santo.
A essência do cristianismo não consiste na aceitação de dogmas, de normas morais, de cânones, de normas litúrgicas, da hierarquia institucional, mas na aceitação da pessoa de Jesus Cristo que morreu e ressuscitou para a nossa salvação. Ele é o Messias, o Filho de Deus, o seu rosto humano. Ele é a pedra angular do edifício que é a Igreja, porque apenas Cristo é ‘o caminho, a verdade e a vida’.
Perante os caminhos, os sistemas e regras de conduta, Cristo é caminho perante as verdades, os princípios e ideologias humanas. Em síntese, Ele é o caminho que conduz à verdade e à vida, como sempre ensinou a Igreja desde os primeiros pregadores, os Padres da Igreja.
Fazemos o caminho se caminhamos com Jesus e os irmãos. Pois não seremos irmãos se não nos amarmos, especialmente aos mais pobres ;’ O que fizerdes a um dos irmãos, até aos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes’.
O que nos diferencia dos que não têm fé é o chamado a acrescentar à realidade diária a participação na vida de Cristo pelo Batismo, como filhos adotivos de Jesus pelo dom do Espírito Santo. É a Jesus que se segue como modelo até chegar-se à identificação com Ele. É revestir-se de Cristo e ter os mesmos sentimentos, atitudes e ações na vida e como diz o Apóstolo Paulo cujo jubileu,o bimilenário de nascimento, estamos celebrando: ‘Já não sou que vivo , mas é Cristo que vive em mim’, é o que nos diz o Apóstolo.
O cristão verdadeiro reveste-se de uma visão de vida do homem e do mundo sob um olhar diferente. Nele há uma estabilidade que vence a mesquinhez e o desprezo, uma paz que se sobrepõe às dificuldades e ao desamor, uma alegria que supera a tristeza e o mau humor. Tudo isso é fruto da esperança cristã. E, sobretudo, o mais atraente do seu perfil, é a abertura para os outros, o acolhimento sem discriminação, a disponibilidade e a partilha com os outros, especialmente com os mais humildes – isso é a vivência da caridade e a fraternidade em Cristo.
Para concluir, peçamos ao nosso Padroeiro S. Bartolomeu, que hoje celebramos com tanto festa, que sejamos discípulos com fé, sobretudo, esperança alegre, caridade ardente, uma vida nova em Cristo ressuscitado, vencedor do pecado e de tudo que conduz à morte. Ser testemunha dessa vida num mundo marcado ela cultura da morte, é uma honra e dever nosso de cristãos”
O Pároco ainda, na mensagem da festa, convidou os fiéis para estudarem as Cartas Paulinas indicadas para cada comunidade, da sede e da zona rural, que são mais de cinquenta.
Pela Lei Provincial n° 389, de 8 de maio de 1850, foi a Vila de Maragojipe, no governo do Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, que presidia interinamente a Província da Bahia, elevada à categoria de Cidade, com o título de Patriótica Cidade.

A longevidade do povo do Recôncavo,Uma homenagem a D. Canô e D. Stela Vasconcelos

Chama a atenção dos visitantes e dos que são de fora da Bahia, a longevidade, com energia, dos baianos, sobretudo, daqueles que estão nessa região privilegiada do Recôncavo. Encontram-se com facilidade senhoras que atuam na Paróquia da Vitória, que estão entre os 80 e 90 anos, que assumem funções, como Dona Genoveva, que do alto dos seus 93 anos é uma atuante ministra da Eucaristia, levando a comunhão, diariamente , para quatro ou cinco doentes, e os anima com sua palavra amiga.
Nesses dias, na próxima 3ª feira, a matriarca Dona Canô Veloso estará completando seus 101 anos, bem vividos, bem cantados e decantados. Ela se tornou um símbolo da cidade e do Recôncavo, com sua simplicidade forte, sua devoção à Mãe da Purificação, com seu espírito agregador. Ela congrega a família, filhos, netos e bisnetos, mas reúne a todos em torno de Santo Amaro. Aquela cidade de antigamente, que já não mais existe, continua a existir nela e através dela que revive e reatualiza a velha Santo Amaro. Recentemente, a imprensa consagrou-lhe mais um artigo-documentário onde a descreve como dona-de-casa, especialista nos bons pratos e detentora de segredos culinários que só ela sabe, apesar de ter as mesmas secretárias na cozinha há quase 50 anos. É ela quem continua dando o cardápio diário, quem escolhe o peixe e o camarão oferecido à porta de sua casa. Tudo isso está condensado num livro intitulado “O sal é um dom”, escrito por sua filha poetisa Mabel Veloso. E o título veio de uma resposta despretensiosa que ela dá ao ser consultada sobre a quantidade de sal na comida :”Meu filho, o sal é um dom”.
Naturalmente, que ela é muito bem cuidada por todos que a cercam, e bem merecido. Ela vive plenamente a vida, conectada com tudo que se passa ao seu redor. Ela administra a sua casa, acompanha a vida dos filhos e netos, sabe do percurso de cada um, tem seus programas de televisão favoritos, e, sobretudo, não abre mão de suas devoções religiosas. A Igreja da Purificação é um ponto de referência na sua vida – nada ela faz sem consultar a grande Mãe Maria. Que seu jeito de viver seja uma lição a todos que a cercam e admiram. Que seja sempre feliz e parabéns.
Outra figura de relevo, integrante da Paróquia da Vitória, foi Dona Stela Ataíde Vasconcelos. No dia 03/09 houve uma Missa de Ação de Graças na Vitória, organizada por sua filha mais velha, Professora Mazinete Lemos, celebrada pelo Pe. Sadoc, do qual era muito amiga, pois, se estivesse viva, faria 100 anos. Morreu aos 96 anos, mas em plena atividade. Ela era, e sua memória continua sendo, o centro da família – foi a grande conselheira dos filhos e amigos. Na homilia da Missa, Pe. Sadoc comparou-a a uma estrela e fez um trocadilho com seu nome latino :Stela e Estrela –“Ela continua a brilhar nos corações dos filhos e amigos”. Até poucos dias antes do falecimento, colaborava na Missa indo recolher as ofertas, passando de banco em banco para fazer a coleta.
No final da Missa, sua filha Marigny Vasconcelos Barros, leu uma mensagem que reflete a saudade da família mas, sobretudo a fé que preside a momentos como esse, pois a vida dela foi um irradiação da fé que ela sempre teve.
Diz a oração:
“Senhor Jesus Cristo, Tu és nossa esperança agora e na hora de nossa morte. Contagiados pelas Tuas promessas , aguardamos a Vida Nova que vai brotar de nossas cinzas. Pois, firmemente acreditamos que a morte é “passagem” de nosso ser, de um corpo perecível para um corpo marcado com o selo da imortalidade. Bem sabemos que nosso corpo não pode ir muito longe, já que é produto daqui da terra. Aguardamos outro que jamais perecerá, uma vez que é produto do céu, à semelhança do corpo que Tu mesmo recebestes ao ressuscitar, primícia de uma nova humanidade, que por Ti vive e em Ti espera.
Essa passagem pode ser mistério incompreensível para nós. Mas é mistério de esperança, não de tristeza. Mistério de vida, não de morte. Mistério que dá sentido à nossa existência humana e ao nosso peregrinar por este mundo. É como Tu mesmo disseste Senhor:”Toda semente jogada no chão acaba por apodrecer”. Depois ela volta á luz do sol de roupagem nova e esplendorosa.
Mas se a erva do campo e as flores do jardim morrem e depois renascem, por que o ser humano, uma vez golpeado pela morte, não poderia se levantar de novo?
Obrigado Senhor, por essa esperança, primeira flor de Tua Ressurreição. Pois se, com efeito, sem ela seria terrível enfrentar a vida, mais terrível seria enfrentar a morte”.

UM ATO CONTRA A VIOLÊNCIA EM SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ

Na 6ª f.,dia 31 de agosto, em S. Sebastião do Passé, houve uma grande ATO a FAVOR da PAZ e CONTRA A VIOLÊNCIA que tem atingido aquele município. Foi no Bairro Quarta Etapa. A iniciativa foi do grupo que está em torno do Presidente da Câmara de Vereadores, que é candidato a prefeito, Janser Mesquita e que tem na chapa o Pe. Mateus Lima como vice. Na semana anterior,o grupo estava em visita a um bairro popular na periferia da cidade fazendo a visita normal nessa fase política, acompanhado de correligionários e com significativa parcela da população. De repente, um carro dirigido por um candidato a vereador de partido contrário, que estava tendo um comício perto daquela área, começa a circular em torno do grupo. Num dado momento ele projeta o automóvel dentro da multidão, exatamente onde estava o presidente da Câmara. Este foi atingido na perna e projetado na calçada. Bate com a cabeça no meio fio e tem traumatismo craniano. Logo é socorrido pelo irmão médico que estava presente, e vem todo o ritual que acontece nesses momentos: ambulância,outras pessoas que passam mal( inclusive a mãe do candidato que estava presente) dirigir-se para o Aliança,etc. Na verdade, se o socorro não tivesse ido imediato, ele teria morrido, pois houve necessidade de oxigênio durante a viagem e outras medidas.
Pode-se imaginar o desconforto público que esse ato provocou na multidão naquele momento. O agressor se evade rapidamente, seguido da multidão que queria linchá-lo, mas deixa o carro numa rua sem saída e foge. As providências no campo jurídico estão sendo tomadas, pelos trâmites legais. Mas fica uma pergunta: qual o interesse em alijar esse candidato do processo democrático de disputa a um cargo público, ele que já é um homem público ( já está no quarto mandato como vereador), é filho do ex-prefeito, já falecido, Jacildo Mesquita, tem um trabalho reconhecido pelo povo e conta com grande aprovação do seu eleitorado?
Nesse ATO pela PAZ, houve uma presença significativa que foi o comunicador Varela, amigo do grupo. Pode-se imaginar o delírio do público ao vê-lo pessoalmente. Várias pessoas cercaram-no para pedir autógrafos. E ele começou sua fala dando um grande cartão vermelho àquele gesto de violência, de desrespeito à pessoa, àquela agressão. Apontando para Janser, presidente da Câmara, na sua primeira aparição pública depois do atentado que sofreu, com a perna engessada e com um colete de apoio no pescoço, falou de sua saúde , dos transplantes a que foi submetido e como nunca perdeu a fé em Deus:”Fui desenganado pelos médicos, mas nunca fui desenganado por Deus”. Com relação à violência, lembrou que violência gera violência e que o povo saberá responder àquele gesto na paz e no espírito democrático:”Se o cão morder a sua perna, não morda a perna do cão”. E ao mesmo tempo exaltou as virtudes do candidato, que é considerado por todos um homem de paz: “Só se atira pedra nas árvores que dão fruto”.
Na verdade, vivemos nesses dias, tempos onde o medo se espalha rapidamente. A nossa sociedade brinca com a vida e com morte – há uma brutalidade que nos choca. A última Campanha da Fraternidade lançou aquele apelo tão forte a favor da vida e contra todas as formas de violência e de desrespeito à pessoa. Mas há um instinto à vida, lá no íntimo todos querem combater a violência, que é diferente do instinto do mal que sempre prevaleceu na história da humanidade – hoje há requintes ideológicos que permeiam essa violência. Ser contar a violência é um desejo “natural”. E isso tem um porquê. É que a violência contradiz a lei básica de Deus que quer que “todos tenham vida e vida em abundância”. Toda vida vem dEle, é uma emanação da vida que é Ele próprio. E outro aspecto desse “instinto” contra tudo que cheira a violência, é porque ela contradiz a dignidade humana. Cada pessoa é única, é sagrada, é sempre “imagem e semelhança” do Criador.
E, sobretudo, na razão da violência que houve em S. Sebastião do Passé, no âmbito político, idéias se combatem com idéias e não com agressão física, pois do contrário, estaríamos voltando para aquela prática política retrógrada e primitiva do tentar calar a boca do adversário a qualquer preço, sobretudo, usando o apelo da força.
Conhecemos o pensamento proverbial dos romanos :”Se queres a paz, prepara a guerra”. E conhecemos as conseqüências desse axioma. Hoje temos que dizer o contrário:”Se queres a paz, prepara a paz”. Os grandes líderes da humanidade, seguindo as pegadas de Cristo, deram a vida lutando pela paz. Cito dois que são emblemáticos: o Pastor Luther King, que continua o seu sonho no sonho dos que plantam a paz e Gandhi, que pacificamente e na sua morte, deu a libertação a seu povo.
Hoje há uma violência que tem caráter filosófico e tem origem na banalização da vida – tudo é descartável. Isso é fruto do materialismo e consumismo no qual estamos imersos. Num outro aspecto, ela vem como conseqüência do problema social em que estamos imersos: a exclusão social, o desemprego , que faz dos jovens presas fáceis .
Mas a violência que houve em S. Sebastião do Passé foge a esses parâmetros, ela é ideológica, covarde, quer ser a lei do mais forte. Na verdade, a violência é a força dos fracos.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O Recôncavo é Uma Festa Só.

O Recôncavo é Uma Festa Só.
Das Boas Mortes a S. Bartolomeu de Maragojipe.

shvc@oi.com.br

Sim, as Boas Mortes estão no plural porque estou me referindo às celebrações tradicionais, e já consagradas pela mídia, relacionadas com Cachoeira. Mas há também a Irmandade de S. Gonçalo dos Campos, que não tem ainda visibilidade na imprensa, mas que é realizada com muito empenho dos componentes – lá há a característica da presença de homens e mulheres como integrantes da Irmandade.
O dia principal da festa em Cachoeira, que é o 15 de agosto, começou com a presença do Governador entregando a Igreja da Conceição do Monte à Irmandade. Naquela ocasião, falou o presidente da Irmandade, Isaac Tito, agradecendo a restauração do templo mas solicitando que o trabalho interno de restauração dos altares prossiga, o que foi prometido. Mas para a Missa solene das 10:00h, o governador não pode estar presente – foi representado pelos secretários da Cultura, do Turismo e a nova Secretária da Reparação Racial.
A cidade de Cachoeira está ficando pequena, pois os turistas acorrem até do exterior. Na pregação foi salientado que a devoção a Maria na História da Igreja, não corresponde a um mero sentimentalismo. Mas está no coração da fé dos primeiros dias do cristianismo. Os integrantes da Igreja Primitiva sempre acreditaram que Maria não teve o corpo corrompido como todo mortal. Mas ela teria “adormecido na terra para abrir os olhos no céu”. Assim, há a crença de que ela foi elevada, assunta aos céus. Ela seria a primeira a acompanhar o destino do seu Filho ressuscitado. Há ao lado do Jardim das Oliveiras uma pequena capela chamada da “Dormição”, local que se crê que seria onde ela adormeceu e foi elevada. É curioso que não há na história da Igreja Católica nenhum culto relacionado com as relíquias de Maria – na Idade Média essa devoção cresce de forma quase exagerada, mas não com relação à Mãe de Cristo.
A tradição da teologia católica mostra que o culto em louvor a Maria tem seus fundamentos nos Evangelhos, portanto , na Bíblia. Ela é saudada como a “Ave Maria”, que é a palavra do anjo; depois vem a “bendita entre as mulheres”, louvor que sai da boca de Isabel, mãe de João Batista. Maria fala pouco nos evangelhos, mas o que diz é determinante, como, por exemplo nas Bodas de Cana, ela diz :”Fazei tudo o que Ele vos disser”.
A Boa Morte de Cachoeira traduz e conserva toda essa crença e devoção.
A de S. Gonçalo dos Campos, na visão de muitos, certamente, é fruto da migração da primeira, pois essa cidade foi Distrito de Cachoeira durante muito tempo. O intercâmbio entre as pessoas foi freqüente, e, especialmente, aqueles relacionados à devoção. Lá a missa festiva foi no domingo, 17/08. Há um cortejo que chega à igreja, acompanhado de uma banda musical. As irmãs trazem em procissão uma pequena imagem de Maria no féretro, os livros das atas e uma cruz portada pela Juíza da festa, que esse ano foi a senhora Martina Cazumbá. Essa família é detentora e mantenedora dessa tradição mariana na cidade, tanto que D. Martina é a presidente vitalícia. Conforme a tradição, ela substitui a própria mãe, Maria Tomázia Felícia, que já substituiu a avó, Maria Bilô Felícia. Depois da missa, é servido um grande almoço e todos os que estão na celebração são convidados.
A dimensão do alimento está presente em muitas festas religiosas, seja das tradições católicas como de outras concepções religiosas. No candomblé, isso é uma tônica muito forte, tanto que Raul Lody escreveu o célebre livro intitulado “Santo Também Come”.
Mas o mês de agosto é uma moldura no Recôncavo para uma outra importante festa religiosa. É a celebração de S. Bartolomeu em Maragojipe. Pe. Sadoc diz que “a procissão de lá é a maior do Recôncavo”. De fato, a multidão presente oscila entre 12 e 15 mil participantes. Há uma Irmandade que abriga essa devoção, e que existe desde 1851.
Tudo na cidade cheira a História. Freqüentemente encontramos as datas das casas expostas às portas de entrada das moradias : 1875, 1886, e assim por diante. A cidade foi sede de muitas Irmandades hoje desaparecidas, mas ainda há muitas em pleno funcionamento. A do Santíssimo Sacramento foi fundada em 31/01/1700; a de Nossa Senhora da Conceição é de 1704; a das Almas Benditas é de 1667. A Igreja Matriz foi construída entre os anos de 1630 a 1753. O nome do Patrono, conforme a tradição, foi dado em homenagem ao proprietário da Sesmaria, Bartolomeu Gato.
Nessa cidade, encontrei vestígios da Irmandade da Boa Morte. O professor Cid Teixeira sempre disse que no Recôncavo houve dezenas delas. Conversando com pessoas interessadas na história daquela cidade, descobri duas gravuras. Uma é do final do século XIX, mas a outra é uma litogravura com data de 1879 e que diz :”Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na cidade de Maragojipe”. De fato, cada 15 de agosto, mesmo sem Irmandade, a imagem no sarcófago é colocada no centro da igreja, vestida com muita dignidade, e endossando sapatos de prata. É, até os nossos dias, objeto de veneração dos fiéis.
O povo de Maragojipe, o Pároco Pe. Reginaldo Morais, os paroquianos, estão de parabéns por mais uma festa do Padroeiro que se realizará no próximo domingo.

domingo, 10 de agosto de 2008

Imagística de Cachoeira, Ilá Deleci

shvc@oi.com.br

“ Cidade ponte, Monumento Nacional, visionária, semente de frutos prósperos, berço privilegiado da inteligência, solo fértil de onde emergiram as genialidades como Augusto Teixeira de Freitas, considerado o maior jurisconsulto das Américas; Ana Néri, cognominada de mãe dos brasileiros; Maria Quitéria, heroína da Independência; cidade onde prosperaram significativos movimentos culturais e religiosos, a exemplo da Irmandade da Boa Morte. Sem olvidar que das suas entranhas rompeu, em 25 de junho de 1822, a revolução precursora da Independência, consubstanciada nos atos heróicos que resultaram na vitória alcançada em 2 de Julho de 1823” – é dessa forma, que o professor Josué Melo, Diretor Geral da Faculdade 2 de Julho, faz a apresentação do livro “Imagística de Cachoeira – Ilá Deleci “, que é uma publicação daquela Faculdade e que será lançado na Câmara de Vereadores no próximo dia 14/08/08, às 10:30, semana de celebrações da Festa da Boa Morte (dias 13,14 e 15 de agosto).
Para entender Cachoeira, é importante mergulhar no seu passado. Lá foi o principal centro de redistribuição de escravos na região e permitiu a realimentação com a África – dessa forma, garantiu que as tradições africanas fossem mantidas.
Conhecer Cachoeira é descobrir o que ela representa em termos de significado para a história da Bahia. Claro que há muito por refazer nessa cidade, porem, cada vez mais, ela se torna um canteiro de obras. De um lado, no aspecto físico, na restauração dos seus monumentos, igrejas, sobrados, praças. De outro lado, nos valores que permeiam a sua história – são aspectos a se recuperar.
Ela foi a porta para o sertão , além de ser o acesso na direção das Minas Gerais – tudo passava por lá. Ela diversificou a sua economia, passando do açúcar e indo ao alento do fumo. Também foi líder na guerra da Independência – seu posicionamento tendente ao liberalismo foi marcante. Há traços visíveis na sua história que apontam para a busca do federalismo; seus representantes estavam entre os Alfaiates e, sobretudo, nas lutas abolicionistas. Tudo isso se concentra no 25 de Junho, sua data magna. Por isso mesmo, ela tão bem merece o epíteto de “A Heróica”.
O trabalho que agora é publicado, reproduz textos já publicados na imprensa, onde recorda aspectos da cidade, dos materiais aos imateriais. Seu título quer falar mais do que as imagens já conhecidas. Quer mostrar nuances que pedem uma empatia para serem lidas. “Imagem” é uma palavra por demais conhecida, tão conhecida que já se torna dessacralizada. “Imagística” é uma palavra pede reflexão, convida a uma leitura interiorizada da história da cidade. A capa desse livro é uma homenagem a um desses ícones que tão bem representam essa cultura : Ilá Deleci, no candomblé – Jorlanda Souza, de batismo. Ela é uma rainha negra, que, com sua simplicidade, não deixa de ser uma autoridade. É irmã da Boa Morte e Mãe do Terreiro Ilê Kodedê – e, na palavra de Gil Abelha, que pintou o quadro ilustrativo da capa desse livro, ele a chama de “filha de Ogum”. Ela própria se apresenta no livro e fala de sua trajetória de vida que a faz acumular diversas experiências religiosas. Narra a sua relação, nada feliz, com sua madrasta, pela qual foi “ feita “ no candomblé. “Mas – conta ela – desgostei-me do candomblé e passei a ser evangélica. Mas adoeci. Minha tia Lira disse que aborreci os orixás. E através dela, tudo foi refeito. Daí é que comecei a contar a “ feitura “ de sete anos”.

Muitos dos textos salientam a importância da Irmandade da Boa Morte, que hoje integra, de modo singular, o calendário turístico-religioso do Recôncavo. Suas origens continuam incertas. Mas, de qualquer forma , tudo aponta, em termos de paradigma, para a Barroquinha. O que o professor Cid Teixeira, há anos me contou, parece cada vez mais se confirmar.É que o Recôncavo, até o início do século XX, estava cheio de Irmandades da Boa Morte. Recentemente, os meus alunos da Iniciação Científica da UNEB, descobriram no Arquivo Público, um texto onde se menciona a existência de uma Irmandade da Boa Morte em Santo Amaro. Ora, na igreja do Amparo daquela cidade, há um altar dedicado a essa devoção. É lógica a ligação entre imagem e culto. A imagem não é colocada apenas para ornar um altar, mas reflete uma devoção com o seu respectivo culto. Também em Maragojipe, descobri uma litogravura de 1879 com a inscrição:”Nossa Senhora da Boa Morte, que se venera na cidade de Maragojipe”. Também lá descobri uma gravura, certamente do início do século XX, com a inscrição em italiano:”Sepolcro di Maria”. Na igreja matriz de S. Bartolomeu, naquela cidade, há uma imagem de Nossa Senhora da Boa Morte. Em cada 15 de agosto, ela é exposta, reverenciada pelos fiéis – essa imagem tem até sapatos de prata usados naquela ocasião.
Mas não podemos nos esquecer que Cachoeira conserva raízes, é uma proto - história, que nos dá base para a dupla pertença sincrética. Será que sob o manto da Boa Morte, as primeiras integrantes esconderam seus cultos ancestrais, sobretudo aqueles relacionados com os mortos, naturalmente coibidos pela sociedade dominante daquela ocasião?
Há uma ancestralidade milenar que a devoção a Maria encerra e que se atualiza no culto da Boa Morte. Nesse sentido, concordo com o professor Ubiratan de Castro, que num seminário em Cachoeira, afirmou que “essa Irmandade só podia vingar aqui em Cachoeira”. Foi nessa cultura que a dupla pertença – o sincretismo – foi gestada. A partir daí, a negociação foi lançada. O escravizado percebeu que sem a religião do branco era impossível não negociar com os santos. A nova situação na qual o africano escravizado estava envolvido, implicava num conflito. Ora, todo conflito implica em aspectos de negociação. E o desfecho não é a vitória de um sobre o outro. Mas, ao contrário,é o de repor uma situação. Na sociedade atual, vemos, como resultado dessa negociação histórica, as Cotas para afro-descendentes, a criação das Secretarias da Reparação Racial. A luta não é para destruir, mas para ter reconhecidos os direitos. Cachoeira foi um cenário “natural”, isto é, teve um contexto histórico que permitiu a negociação, gerando, portanto, uma dupla pertença.
A cidade mantém outras Irmandades importantes, como a da Conceição do Monte. Por trás de muitas igrejas há, às vezes, um relato mítico que ultrapassa o controle da história e, em alguns casos, se confunde com a estória. A igreja da Conceição do Monte preenche esse recorte. Essa igreja está com a reforma quase concluída. A restauração trouxe surpresas. Quando as paredes da nave começaram a ser reformadas, descobriu-se pinturas de grande valor e que estão sendo restauradas com grande maestria – a contra-capa do livro quer privilegiar essa descoberta.
Sebastião Heber. Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu.
(Lançamento do livro “Imagística de Cachoeira – Ilá Deleci”, dia14/08 às 10:30 na Câmara de Vereadores de Cachoeira. Depois estará à venda na Livraria LDM, da Direita da Piedade).

É tempo de festa em Cachoeira, É tempo de Boa Morte

shvc@oi.com.br
Nos próximos dias 13, 14 e 15 de agosto, a cidade de Cachoeira estará celebrando a quase bicentenária festa da Boa Morte. Nessa ocasião estarei recebendo o título de cidadão cachoeirano, na Câmara de Vereadores às 10:30. Simultaneamente, será lançado o livro “Imagística de Cachoeira-Ilá Deleci”. Trata-se de uma publicação que é somatório de vários artigos que escrevi nessa coluna, sobre a referida cidade, sua característica cultural, e, sobretudo, sobre a Boa Morte. Na capa há uma homenagem à Ilá Deleci, membro daquela Irmandade e Ialorixá do terreiro Ilê Kodedê. É uma pintura do artista Gil Abelha que quis homenagear essa ilustre cachoeirana e a chama, na dedicatória que lhe faz, de “ Filha de Ogum”.
Desde que cheguei à Bahia, Cachoeira exerceu uma forte atração em mim, exatamente por representar um centro de interesse histórico e cultural marcante no Recôncavo Baiano.
Cada vez que venho a essa cidade, aprendo, descubro e vejo que ela representa um potencial em termos de importância para a história da Bahia e do Brasil. Claro que há muito por refazer nessa cidade, porem, cada vez mais, ela se torna um canteiro de obras. De um lado, no aspecto da restauração dos seus monumentos, igrejas, sobrados, praças. De outro lado, nos valores que permeiam a sua história – são valores a se recuperar..
A cidade mantém outras Irmandades importantes, como a da Conceição do Monte. Por trás de muitas igrejas há, às vezes, um relato mítico que ultrapassa o controle da história e, em alguns casos, se confunde com a estória. A igreja da Conceição do Monte preenche esse recorte. Essa igreja está com a reforma quase concluída. A restauração trouxe surpresas. Quando as paredes da nave começaram a ser reformadas, foram descobertas pinturas de grande valor do século XVIII e que estão sendo restauradas com grande maestria.
Em Belém de Cachoeira, na igreja-seminário do Santo Frei Galvão, foi realizado um seminário com a idéia central de pensar e velar o patrimônio que circunda essa cidade, despertando nos seus habitantes esse interesse e até suscitando um orgulho por serem detentores de tantas riquezas. Isso está registrado nesse livro.
Também recordo uma visita que fiz à Gaiaku Luiza, a grande Mãe Jêje da região. Lembro-me que antes de ter acesso ao recinto, a Ekede Preta “limpou” o meu corpo e dos demais acompanhantes com as folhas sagradas, para “tirar a energia negativa de quem vinha da rua” e, assim, nos preparar para entrar naquele lugar sagrado.
E comento no livro vários aspectos das festas da cidade. Em “Louvores a Nossa senhora da Ajuda”, retomo a importância daquele templo que é a pedra-fundamental da cidade. Soma-se à festa um profano imbricado no sagrado. Os dois elementos se polarizam e se fundem. Muitos viajantes, no século XIX, como Tollenare e o Príncipe Maximiliano, espantaram-se com essas representações “quase carnavalescas”.
Recordo a festa dos Santos Cosme e Damião com a missa na Ajuda. Naquele ano 2007, os juízes foram Samir Adson e Adson Samir – o trocadilho dos nomes já mostra a origem gêmea deles. São sobrinhos do professor Adilsom Gomes. Aqui houve um terreno favorável ao desenvolvimento dessa devoção, revestida de uma crença ancestral. Por isso, na Bahia, não se pode deixar de participar do caruru dos gêmeos.
Retomo alguns elementos do livro publicado em agosto de 2007: “Das Memórias de Filhinha às Litogravuras de Maragojipe”, que teve como prefaciadora a ilustre Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do qual sou membro, Consuelo Pondé de Sena. Lá o centro das atenções gravita em torna desse ícone sagrado que já está completando seus 105 vigorosos anos. É Filhinha, nascida sob a proteção de Maria, por isso se chama Narcisa Cândida da Conceição. O livro é fruto de uma “escuta sensível”. Ela é uma memória viva da cidade, da Boa Morte, da cultura cachoeirana. Sua reminiscência pessoal, não é fechada em si, mas é uma narração viva da vocação da cidade, com suas tradições vivenciadas em múltiplos momentos, sobretudo nela, no testemunho de vida que ela dá.
Será que sob o manto da Boa Morte, as primeiras integrantes esconderam seus cultos ancestrais, sobretudo aqueles relacionados com os mortos, naturalmente coibidos pela sociedade dominante daquela ocasião? Essa Irmandade constitui-se num desafio à pesquisa dos estudiosos que têm nela um manancial, um acúmulo de tradições ainda por serem desveladas e desvendadas.
Vejo Salvador como um grande santuário que abriga muitas tradições religiosas: desde o Senhor do Bonfim até os candomblés mais “clássicos”. Mas não podemos nos esquecer que Cachoeira conserva raízes, uma proto - história, que nos dá base para a dupla pertença sincrética. Tudo isso se conserva em Cachoeira, e as irmãs da Boa Morte são as detentoras dessa verdade-crença.
O livro contém uma apresentação da própria Ilá Deleci. E é ela quem fala de si : “Em Cachoeira organizei o meu terreiro, construí uma capela dedicada a Santo Antônio, e registrei tudo em 1982. Sou conhecida como Ilá Deleci, ou simplesmente Deleci, mas no batismo tenho o nome de Jorlanda. No ‘Roncó’ a gente é como freira, isto é, tem que trocar de nome. É o orixá que me deu esse nome novo. Quando eu morrer, Papai do Céu vai, lá em cima, me chamar pelos dois nomes. A abertura do meu Terreiro foi uma verdadeira romaria. Recebi o ‘Ibá’, a herança de minha mãe-de-santo”.

UM ENCONTRO COM VIEIRA

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A Comissão do 3° Centenário da Morte do Padre Antônio Vieira preparou um volume especial para a celebração desse evento e que tem esse título : “Um Encontro com Vieira”. A edição foi preparada com o objetivo de fornecer aos seus irmãos jesuítas da Bahia e do Brasil, alguns dados , uma vez que nem todos teriam a oportunidade de ler obras mais extensas e profundas. São clássicos, nesse tema, as obras de André de Barros, que é o primeiro biógrafo – Vida do apostólico Pe. Vieira - , a de João Lúcio de Azevedo – História da Companhia de Jesus no Brasil – e a obra do famoso Pe. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil.
O livro citado organizou a história de Vieira em cinco períodos, que abarcam essa vida longeva, o que era raro no seu tempo : Formação, Diplomata na Corte de Portugal, Missionário, Inquisição e Últimos Anos na Bahia.
Ele nasce em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 – é o primogênito de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria de Azevedo. É batizado na igreja da Sé em Lisboa, tendo como padrinho o Conde de Unhão D. Fernão Teles de Menezes. Ainda criança, seus pais partem para o Brasil, vindo habitar em Salvador. Inicialmente, a família se instala na Rua da Gameleira. Mais tarde, eles se deslocam para fora das Portas de S. Bento. Como toda criança de sua condição, ele recebe os cuidados da educação materna, mas freqüenta as aulas formais de Gramática e Humanidades no Colégio dos Padres no Terreiro de Jesus; é nessa ocasião que se dá o famoso “ estalo”, quando estava rezando diante de Nossa Senhora das Maravilhas na igreja da Sé.
Em 1623, ouvindo uma pregação do Pe. Manuel de Couto, sente-se atraído por aquele gênero de vida. E, de fato, é o que acontece : “Me resolvi a ser religioso passando junto à igreja de Nossa Senhora da Ajuda”, pois era o caminha que fazia da casa para o Colégio. No mesmo ano ele começa o noviciado, sob a orientação do reitor, Pe. Fernão Cardim.
Ele testemunha a chegada da Armada Holandesa que se apodera de Salvador. Por isso, o noviciado se transfere para S. João da Mata. Um pouco antes da saída dos holandeses, em 1625, ele emite os primeiros votos. Mas faz também um voto particular :”De idade de dezessete anos fiz voto de gastar toda a vida na conversão dos gentios e doutrinar aos novamente convertidos, e para isso me apliquei às duas línguas do Brasil e Angola”.
Mesmo antes de ser ordenado padre, ele já exerce a função de professor. Em Olinda, Pernambuco, ensina Humanidades e Retórica. Mas volta à Bahia onde faz seus estudos de filosofia e teologia. Porem, antes de ser diácono, estréia sua oratória na Conceição da Praia, em 1633, no 4° domingo da Quaresma Mas no mesmo ano, em 1634, celebra a primeira Missa no dia de Santa Luzia..A partir daí, sua vida de pregador deixa marcas indeléveis: em 1638 faz o sermão gratulatório pela vitória contra os holandeses, que tentaram invadir a cidade sob o comando do Conde Maurício de Nassau. Em 1640, na igreja da Ajuda, faz o famoso Sermão pelo sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda. Quando chega o novo Governador , o Marquês de Montalvão, é ele o pregador.
A vida de Vieira foi um périplo, que reflete seu espírito missionário, de pregador e de homem que representa a cultura do seu tempo.
O seu último período, de 1681 a 1697, foi aqui na Bahia. Mas já estava desiludido. Faz parte do Colégio do Salvador, porem, a maior parte do tempo, permanece na Quinta do Tanque, casa de campo do mesmo Colégio Em 1688 o Padre. Geral, Pe. Tirso Gonzalez, o nomeou Visitador Geral do Brasil e Maranhão, mas sem necessidade de sair da Bahia. Vieira assumiu esse encargo em 15 de maio de 1688 e se transferiu para o Colégio. Quando estava na Quinta do Tanque, dedica-se à publicação das suas obras. É com sua presença aqui, que S. Francisco Xavier se torna Padroeiro da Cidade. Houve uma epidemia de febre amarela. Mais de cem dos membros do Colégio, foram atingidos por esse mal. Sobraram quatro, incluindo Vieira. A Câmara fez a promessa ao Santo Patrono para livrar a cidade dessa desgraça. E alcançou a promessa.
Nesse ínterim, os seus Sermões são publicados em Lisboa – em 1690 é publicado mais uma edição sob o título “Palavra de Deus Empenhada”. E, na mesma ocasião, o que era inusitado para a época, foi publicado em Puebla de Los Angeles, México, uma Carta, chamada “Atenagórica”, de uma freira poetisa, sobre um dos seus Sermões – “orador grande entre los mayores”, diz ela. É importante sublinhar que em muitas missões realizadas , como a dos Cariris, na Bahia, tudo foi “patrocinado” com o resultado da venda dos seus livros. Sua última carta,dentre as 800 que escreveu, é de 12/07/1696, e foi dirigida ao Padre Geral da Ordem.. Em 18/071697, de forma tranqüila, ele falece. O Ofício Fúnebre foi realizado na Sé pelos Cônegos, mas é sepultado na igreja do Colégio. Mas não se sabe onde estão os seus restos mortais.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Convergências e controvérsias entre Brasil e Argentina

Visitando Buenos Aires, fiquei encantado com a cidade, seu conjunto arquitetônico, os grandes e múltiplos parques. Não se pode deixar de concluir que ela é eminentemente européia na sua expressão física e no biotipo da maioria dos seus habitantes. A arquitetura lembra muito, e certamente, é cópia da de Paris. Os sobrados, solares, verdadeiros palácios, são encimados por ardósia ( ou algum material que a ela se assemelhe). De qualquer forma, isso significa um apogeu econômico quando foram construídos. A guia nos informou que muitas famílias, viajando à Europa, no século XIX, Paris, Barcelona, cidades da Itália, de lá tiraram inspiração para aquela arquitetura que dá às avenidas um ar de “ boulevard “ , ainda enriquecida pela presença de inumeráveis plátanos. Há o famoso café Tortoni, do 1858, que é um dos pontos que não se pode deixar de visitar, e nesse período de férias, temos que esperar na fila ( e no frio) para podermos ter acesso – mas entrando lá, vemos que vale a pena ter esperado.
O povo argentino é conhecido pelo quase fanatismo relacionado ao futebol – e daí vêm as nossas controvérsias. A guia disse que não poderia deixar de nos mostrar o estádio do Bocca Junior, que está ao lado do bairro ocupado pelos italianos imigrantes, onde Maradona é rei. Na área chamada “Caminito” há uma concentração das antigas moradias ocupadas por eles e que hoje, todas pintadas e coloridas ( é um pequeno Pelourinho), são apresentadas como um dos “points” turísticos.
De qualquer forma, o argentino – pelo menos o que vi em Buenos Aires – tem um espírito de reivindicação que nos faz inveja. Todos os dias havia alguma manifestação, seja na Casa Rosada como no Congresso, alem de manifestações pelas ruas e avenidas.
Na Praça de Maio ocupa um lugar de destaque a Catedral que tem como Padroeiro a própria Santíssima Trindade. Lá encontra-se o mausoléu de San Martin, o herói libertador da Pátria. Ele, em 25 de maio de 1810, já elaborou os primeiros passos para a independência, pois o povo não aceitava ficar sob o jugo de Napoleão que dominava a Espanha – diziam que já não aceitavam um rei espanhol e muito menos, agora, um francês. As idéias libertárias se consolidaram no dia 9 de julho de 1916 – é um dia de feriado e corresponde ao nosso 7 de Setembro. Mas estranhei por não presenciar desfiles e paradas militares. Mas me responderam que como o povo já está muito desiludido com os políticos, não haveria público para aplaudir essas festas cívicas – por isso, o dia é apenas um feriado nacional.
Perguntando sobre qual o título mariano que prevalece na cidade e no país, fui informado sobre a devoção a Nossa Senhora de Lujan, que fica a uns 70 km fora de Buenos Aires e que é o santuário nacional ( como aqui é Aparecida).
Apesar das inevitáveis divergências no futebol, há algo muito em comum entre esse país e o Brasil,na origem dessa devoção. E fui lá, com minha mãe, para conhecer esse santuário
A história está contada num grande painel localizado ao lado do altar-mor na basílica, que é neo-gótica e que imita, em proporções bem menores, a Notre Dame de Paris- foi construída em 1896.
Tudo começou em 1630, quando um fazendeiro português, que lá morava, quis ter na sua casa de campo uma imagem de Nossa Senhora. Nessa época estava em voga a confecção de imagem em terracota em S. Paulo. Há várias imagens desse material e mais ou menos nesse estilo, nessa época. A maioria veio de Portugal no século XVII. Mas, aos poucos, os artistas surgiram no Brasil Temos os grandes representantes dessa época que são Frei Agostinho da Piedade, Frei Agostinho de Jesus e Domingos Conceição da Silva. Há exemplares desses três artistas em S. Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Olinda.
Esse fazendeiro português que possuía terras em Summampa encomendou em S.Paulo uma imagem de Nossa Senhora , para ser colocada em sua casa. As imagens foram enviadas em carros de boi. Ao cabo de dois dias elas já estavam nas terras do referido senhor, isto é, às margens do rio Lujan. O fato inusitado é que a carroça que transportava as imagens e outros objetos, antes de chegar ao seu destino, não conseguia avançar. Tiraram todas as caixas e as cargas em geral. Logo a carroça se movia, mas quando as cargas eram colocadas, repetia-se o fato. Isso aconteceu várias vezes. Foram retirando os pacotes um a um. Perceberam que quando, precisamente, um deles fora retirado, a carroça se movia, mas se era novamente colocado, ela emperrava. Ao abrirem o pacote, descobriram que era exatamente a imagem de Maria. Logo perceberam que a Mãe queria ficar ali naquele local. O texto no santuário diz que “assim se produziu o milagre de Lujan : Maria havia decidido onde queria permanecer para receber seus filhos e escutar suas súplicas”.
Dessa forma, o santuário oficial da Argentina é muito visitado, é lugar de peregrinação e, sem falsos nacionalismos de nossa parte, mas, talvez, para mostrar que Maria é a Mãe de todos, os nossos vizinhos argentinos têm como Padroeira, uma imagem brasileira que até lembra a nossa de Aparecida, pois é negra, pequena e tem o mesmo manto. Conforme a história lida lá, por trás do manto há um revestimento de prata para melhor preservá-la.
Dessa forma, Maria está presente no coração do povo argentino como aquela que foi dada a João Evangelista como a Mãe de todos :”Filho eis tua Mãe, Mãe eis o teu filho”. Para o evangelista João, Maria é um dom de Deus aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares e que personaliza a própria Igreja que deve ser um abrigo de todos, sobretudo dos mais necessitados.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A INICIAÇÃO E A BUSCA DE NOVOS VALORES

A INICIAÇÃO E A BUSCA DE NOVOS VALORES



A iniciação está presente em todo tipo de sociedade, e abrange vários níveis da vida humana, muitas vezes sendo difícil até distinguir onde termina um elemento e começa outro. Desse modo, o social, o religioso, o econômico e outros aspectos pertinentes se interligam e dependem mutuamente. Nesse sentido, as instituições básicas e clássicas da sociedade, não apenas ocidental, isto é, a família, a religião e a escola (academia), são os canais naturais de transmissão de valores para as novas gerações.
Mas o fato, facilmente constatável da necessidade de iniciação nas diversas sociedades humanas está hoje ameaçado, sofre um processo de crise, de ruptura, e ameaça a transmissão de valores para as gerações mais jovens, que, por isso mesmo, se sentem sem rumo, em busca de novos valores em que se apóiem.
Evidentemente que há várias razões para isso. Em contraste com a sociedade antiga que baseava a transmissão dos seus valores a partir da necessidade de uma iniciação, na sociedade moderna, o que predomina é a auto-iniciação, é o aprendizado imediato das coisas. Aprende-se algo para fazer alguma coisa com aquilo que se aprendeu. É a sociedade pragmática, utilitária, que leva as pessoas a uma mentalidade descartável da vida: tudo é ou não utilizável, até as pessoas. Nas sociedades de pequena escala ainda subsistem as iniciações, apesar da presença do homem branco, nessas sociedades, constituir-se sempre uma ameaça.
O que mais caracteriza a nossa sociedade, no sentido de trazer inquietações, é que ela não vê com clareza o que quer transmitir. Aí está a raiz da crise da iniciação no nosso tempo. Na verdade, a iniciação é portadora de elementos que constituem as diversas sociedades, pois sem transmissão de valores não há continuidade.
O próprio fato da crise de iniciação na nossa sociedade gera, em contrapartida, a necessidade de novas iniciações e de novos ritos de passagem, pois persiste sempre a necessidade de ritos iniciáticos, que subsistem sob formas não institucionalizadas, informais.
As sociedades humanas são marcadas pela institucionalização da cultura. Isso porque ela é o instrumento de transmissão dos meios de sobrevivência, seja dos indivíduos, seja da sociedade. Como o homem, ao nascer, é dependente de tudo, tem necessidade de ser educado, de receber um patrimônio construído pelos outros, para que possa se inserir no seu contexto. Como hoje há um certo deslocamento de tarefas, com relação à missão dos tradicionais agentes formadores, a formação tem passado para outras instâncias que escapam ao controle das camadas dominantes. Isso gera, naturalmente, uma tensão entre a educação formal e a informal. Nem sempre os estudiosos do assunto vêem essa tensão como algo negativo, mas consideram que ela pode ser sinal de uma busca e, sobretudo, de recomposição de novos valores.

A própria crise da iniciação leva a pessoa e a sociedade quase a “fabricarem” novos ritos de iniciação. É como se o grupo quisesse reforçar a coesão, as normas, interiorizar suas regras pelos novos que vão chegando e permitir, de alguma forma, que aquele que aceita a regra do jogo (daquele grupo ou sociedade) aceite se religar a uma história contínua e ser depositário de uma memória da qual será transmissor.
Essas dificuldades atingem as pessoas individualmente e como grupo social; atingem a religião como um todo, o cristianismo, o catolicismo e outras expressões religiosas; as famílias religiosas não sabem como iniciar as novas gerações nos seus valores básicos, nos valores recebidos e vividos numa sociedade em mutação.
Persiste uma rejeição quase instintiva de tudo que é religioso ou que fale de Deus, sobretudo nas relações dos jovens com a fé cristã. É inegável o esforço de muitos líderes religiosos, através de manifestações oficiais e de documentos emitidos para um diálogo mais próximo.
Nesse contexto, é apresentado o problema da ruptura com as tradições que traz como conseqüência uma perda de valores da memória coletiva. Nesse sentido, o trabalho é um interrogar aos cristãos, às pessoas de fé, sobre a sua missão: que tarefas têm os que crêem, quando eles próprios são confrontados com uma interrupção do fio da tradição cristã?