quinta-feira, 19 de junho de 2008

O SÃO JOÃO EM CACHOEIRA

Sebastião Heber


Sabemos como as festas juninas invadem o Nordeste nesses dias de tradição folclórica..As cidades, sobretudo do Recôncavo, explodem de alegria. O perigo é que as genuínas tradições podem ir se perdendo em função de um S. João mais comercial. Lembro-me , quando logo aqui cheguei, que na primeira festa junina em que passei na Heróica Cidade,em 2001, vi em muitas casas, nas janelas, bandejas com laranjas, amendoim e licor, tudo aberto ao público que passasse, podendo se servir à vontade.
De qualquer forma, essa festa está no coração dos brasileiros. A história registra que no Rio de Janeiro, havia lugares em que se festejava o Batista de modo estrondoso e fidalgo. Em Paquetá, em Inhaúma, na Ilha do Governador, e em outros recantos, havia um mastro plantado com uma boneca, enfeitada com espiga de milho, laranjas e mais frutas, tudo indicando que ia haver festejos naquele sítio e anunciando a proximidade do dia.Nos arrabaldes, as chácaras e palacetes, usando o mesmo sinal, chamavam a atenção dos vizinhos que propalavam os nomes dos donos dos promotores e comentando os nomes dos convidados.
Tudo isso veio das tradições portuguesas. Por isso mesmo, até hoje é famoso o S. João do Porto. Santo Antônio é em Lisboa, cidade do seu nascimento – lá são famosas as marchas que marcam essa festa. Mas a Câmara de Coimbra já registra em 1464, a “cavalhada na véspera de S. João com sina e bestas muares”. No período da Colônia, os cronistas Frei Vicente do Salvador e Padre Fernão Cardim, registram a alegria dos silvícolas na época de S. João, por causa das fogueiras e das palmeiras que ornamentavam o ambiente.
No interior do Nordeste, muitos ainda se lembram das muitas superstições que eram iluminadas pelo clarão das fogueiras. Seja debaixo dos tetos de estuque como nas casas dos mais pobres, essas crenças abrigavam-se sem constrangimento. Havia muitas crenças que permeavam esse imaginário. Por exemplo, em louvor do Santo, plantava-se um dente de alho e se ele amanhecia grelado, obtinha-se o que se desejava. Outra crença consistia em colocar-se uma bacia d’água ao sereno : antes do nascer do sol se o indivíduo, mirando o rosto, não visse a sua sombra, era sinal de que não chegaria ao outro S. João. Uma outra superstição mais arraigada no meio do povo, era que as brasas da fogueira ficavam bentas; muitas pessoas as guardavam ou enviavam aos parentes ausentes , acreditando que quem as possuísse viveria mais um ano.
Cachoeira é a cidade das grandes tradições da Bahia. Lá não se sente limite entre as festas cívicas e as religiosas. Tudo tem o mesmo ponto de partida e semelhante ponto de chegada. Por isso mesmo, ela tem condições de, ao lado dos festejos cercados com as bandas que preenchem o roteiro junino,não deixar que se perca o fio da tradição que está lá tão presente, mesmo que em alguns aspectos, em estado de hibernação.
Por ser esse centro de cultura no Recôncavo Baiano, é que foi aprovado , por iniciativa da Deputada Lídice da Mata, um Projeto que torna essa cidade a capital da Bahia, em cada 25 de Junho, que corresponde ao 2 de Julho cachoeirano . Nesse dia o Governador do Estado despacha lá, participa de eventos culturais, de sessão na Câmara, e haverá até um Te Deum, na igreja Matriz, em ação de graças pela vocação libertária dessa Cidade Heróica.
Pessoalmente, estou engajado na criação da Casa do Samba-de-Roda de Cachoeira. Dentre os mais famosos da cidade, está o chamado “Suerdick”, que foi organizado pela matriarca Dona Dalva há quase 50 anos. O Prefeito ficou sensível a esse Projeto e doou a casa que está ao lado do Arquivo Público para aí se realizar esse Projeto e os sambas-de-roda da cidade poderem ser abrigados. Essa casa é histórica pois foi lá que nasceu Teixeira de Freitas, o jurista cachoeirano, que dá nome ao Foro da cidade.
Todos esperamos o apoio do Governador, através dos setores correspondentes de incentivo à cultura. Certamente a 1ª Dama ( que não gosta de ser assim chamada), visitará esse sobrado, e se engajará na obtenção dos recursos para tal Projeto chegar a um final feliz.
O IPAC já colheu os dados necessários para elaborar um Projeto de Restauração dessa casa, através dos seus arquitetos e técnicos. Isso tudo enche de expectativas as pessoas interessadas, nesse caso particular, as sambadoras e sambadores ligadas ao Projeto de D. Dalva, que vem mantendo acesa essa bandeira de uma tradição que tão bem representa os valores dessa terra.
Todos contamos com a intercessão de S. João por Cachoeira, nesse dia em que o governo está tão próximo dessa cidade. Ele é Profeta, isto é, aquele que fala mais alto, e mostra os caminhos. Foi ele que, apontando para Cristo , disse:”Eis o Cordeiro de Deus, o que tira o pecado mundo”. Mas esse filho de Isabel e Zacarias era muito humilde, por isso disse :”Eu sou apenas a voz, ele é que é a palavra”. E ainda completa :”Eu não sou digno de desatar suas sandálias”.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

ISTO É SANTO AMARO E O 14 DE JUNHO

A primeira parte do título em epígrafe – Isto é Santo Amaro - refere-se a um dos livros da famosa professora Zilda Paim que há décadas conserva um farto material sobre essa histórica cidade. Desde fotos do final do século passado, bandeiras dos antigos Ternos carnavalescos, a jornais do início do século XX, alguns bastante danificados, livros, e o santinho da 1ª comunhão de sua mãe, realizada no Colégio das Sacramentinas e que fora escrito em francês. Ela escreveu outros livros, também pintou algumas imagens da antiga Santo Amaro, bem em estilo naif – são cenas que ela conheceu bem de perto, como, por exemplo, o bonde puxado por burros.
Santo Amaro, alem de ser famosa por causa da bela igreja-catedral, a da Senhora da Purificação, deixou uma marca histórica relacionada com as lutas travadas em favos da Independência.
O 14 de junho é a data magna da cidade, pois é considerado o primeiro vagido em terras baianas na luta pela emancipação política. Em face da carta dirigida pelos deputados baianos, às municipalidades da Província da Bahia, foi exatamente a Vila de Santo Amaro escolhida para que, por sua Câmara, fossem delineados os planos para a revolução nacionalista.
O clero, a nobreza,os militares, os homens dignos da Vila, enfim , o povo responderam, através do 14 de Junho, à consulta dos deputados às cortes de Lisboa, sobre o melhor caminho para organizar o Brasil..
Theodoro Sampaio, em conferência proferida em Santo Amaro a 14 de junho de 1922 disse:”Pensar,portanto, em independência nacional entre baianos, nessa época era o mesmo que consultar o voto decisivo do elemento agrário do Recôncavo, pois que nele é que estava a força, a cultura, a riqueza”.
A Carta de Santo Amaro dá definições a propósito da Independência : um poder executivo brasileiro com o seu soberano, um tribunal superior brasileiro, um Exército brasileiro,uma Armada brasileira, uma Constituição. Todos esses elementos convergiriam para um futuro da pátria com uma universidade e mais tolerância religiosa.
Para os santamarenses esse documento é motivo de orgulho pois representa uma precedência de altíssima honra nos fatos da Independência. Esse foi um elemento de peso para que no Recôncavo as vilas se pronunciassem pela aclamação de D. Pedro. Dessa forma, em 29 de junho daquele ano, D. Pedro foi aclamado em Santo Amaro, numa histórica sessão do Senado da Câmara.
Na apresentação desse livro é mostrado que a luta da professora Zilda Paim , como foi a de José Silveira, não tem sido fácil, pois eles não se conformam em ver adormecer uma terra e uma gente de tanta história e vigor. A 1ª edição desse livro, já em 1969, prefaciado por Plínio de Almeida, diz que esse é um livro “onde há muito amor, muita pesquisa, e acima de tudo, uma larga e compacta dose de civismo (...) Ele nos diz quanto essa cidade foi no cenário nacional e na região gorda do Recôncavo, onde o massapé permite que os canaviais brotem, para enfeitar uma paisagem de maviosas colinas cortadas por alguns rios de águas lentas, rios que outrora faziam girar rodas de engenho, em cujas casas grandes as aias usavam comumente vestidos de seda e gorgorão cobertos de brincos de ouro legítimo, num verdadeiro fausto demonstrativo de uma época de fartura daqueles que Santo Amaro soube ter e aproveitar”.
O calendário cívico-religioso de Santo Amaro gira em torno de duas datas : o 14 de Junho, pelos motivos expostos e o 2 de Fevereiro, dia da Purificação.O templo que abriga essa devoção foi inaugurado com uma suntuosa celebração no dia 18 de outubro de 1700. O Arcebispo da época, D. João Franco de Oliveira, coroava, juntamente com os fiéis de então, exatos 90 anos de trabalho consumidos na construção daquele templo.
Que a Senhora da Purificação proteja essa cidade, cheia de história e heroísmo, velando pelos seus filhos, sobretudo os mais pobres.
Concluo com algumas estrofes do Hino de autoria de Carlos Sepúlveda:
“Oh! Virgem Mãe, puríssima,
Dai-nos paz e proteção ,
Para que possamos
Chegar ao vosso coração.
Sois nossa esperança,
Refúgio e consolação,
No perigo e na bonança,
Doce Mãe da Purificação”.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Santo Antõnio, de Lisboa e de Pádua

Sebastião Heber

Não é questão de dupla nacionalidade, mas a verdade é que ele nasceu em Lisboa e se tornou conhecido em Pádua. E por isso mesmo é que os portugueses celebram sua memória de forma entusiástica, decorando com bandeirinhas e cravos as janelas das casas dos moradores das ruas que estão em torno do Castelo S. Jorge, nas proximidades da casa em que ele nasceu.
O mês de junho está aí e com ele começam os belos festejos juninos que relembram a nossa infância, sobretudo para aqueles que a viveram no interior. As festas populares e folclóricas incorrem sempre no perigo de serem “seqüestradas” pelo consumo desenfreado, tirando delas a poesia e, sobretudo, sua mística. É importante preservá-las para que a nossa identidade não se perca e os valores culturais permeiem as programações turísticas.
Antônio, além de ser eminentemente popular, casamenteiro, ligado ao nosso folclore – diz-se, com propriedade, que após S. Francisco, ele é o mais importante dentre os discípulos do pobre de Assis - , ele é também um dos poucos que têm o título de Doutor da Igreja.
Nasceu em Lisboa em 1195, e foi , primeiramente, cônego regular de em Coimbra, mas Fernando muda de nome, tornando-se franciscano, onde ele responde à sua vocação missionária. Após um período em Marrocos, onde sua saúde não permite que ele lá permaneça, ele vai para Assis, considerado o foco da vida franciscana. Sua fama de bom pregador e de controversista,sua cultura teológica,o ardor de sua fé, tudo o leva a uma intensa vida pastoral, marcada pela pregação, onde ele, primeiramente combate os cátaros ou albigenses, e depois , entre 1225 e 1227, na região do Midi da França (Toulouse, Limoges, Montpellier, regiões atingidas pelos albigenses). O pensamento dessa doutrina foi considerado herético pois professa um dualismo entre o bem e o mal. A matéria, e, portanto o corpo, é um mal, e isso chegou até à recusa da Encarnação de Jesus Cristo – o Filho de Deus não poderia ter assumido um corpo humano pois esse é sede do mal. Desse modo, no seu purismo ( cátaro significa “puro”), eles chegaram a condenar até o casamento. Em face do relachamento dos cristãos e, sobretudo do clero, essa concepção se espalhou entre os fiéis resultando numa luta da hierarquia da Igreja contra essa concepção, sobretudo pela pregação.
Após essa fase, ele se retira à Itália do Norte, em Pádua onde morre aos 36 anos, em 1231 , tendo adquirido uma grande fama popular de santidade, que o fez ser canonizado apenas um ano após sua morte, pelo Papa Gregório IX. Seu túmulo logo se torna um lugar de peregrinação intensamente freqüentado. Em 1946 o Papa Pio XII declara-o como Doutor da Igreja.
Logo ele entra no imaginário popular, tornando-o muito venerado na sua terra natal. É de lá que chega até nós toda uma devoção popular que o faz ser o protetor dos objetos perdidos. A origem desse crença vem do fato de um noviço ter deixado o convento levando (roubando) o seu breviário ( livro de orações com os salmos). O santo fica preocupado, pois lá tinha anotações preciosas – e, de fato , o noviço retorna para devolver o livro ao santo.
Santo Antônio é, muitas vezes, representado com um lírio ou um livro, símbolo do seu conhecimento e do seu amor pela Sagrada Escritura . Outras vezes, tem ao seu lado, um asno, pois, de acordo com a sagrada lenda, o animal se ajoelhou diante do Santíssimo Sacramento levado pelo Santo, quando a presença real de Cristo na Hóstia havia sido contestada por um interlocutor, que passou a crer naquele mistério cristão.
Passo a citar um trecho de um sermão do santo, intitulado “É viva a palavra quando são as obras que falam” :
“Quem está cheio do Espírito santo fala várias línguas. Elas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber, a humildade, a pobreza, a obediência; falamos essas línguas quando os outros as vêem em nós mesmos. É viva a palavra quando são as obras que falam, Cessem, peço, os discursos, falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras e por isso, amaldiçoados pelo Senhor, porque Ele amaldiçoa a figueira em que não encontrara frutos, apenas folhas. Que faça o que prega, diz Gregório. Em vão expõe o conhecimento da lei quem destrói a doutrina por suas obras. Falemos, portanto, em conformidade com o que o espírito Santo nos conceder falar”.

Sebastião Heber.Prof. de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris, da Associação Nacional de Interpretação do Patrimônio. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.