sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Das águas da Purificação Às águas do Rio Vermelho

A história da Bíblia é marcada pela presença da água: água que destrói, que salva, que purifica. Os textos do Gênesis, que tratam do momento primordial da criação, apresentam o Criador tirando as águas do caos inicial e separando-as da terra .Ele as separa em dois lugares: no alto, onde fica a chuva e em baixo, onde estão o mar e os rios. Desde o início existe a consciência de que esse elemento é indispensável à vida. De outra forma, só haveria deserto e todo ser vivo seria votado à morte. De forma inversa, isto é, se ela vem em superabundância, ela transtorna a ordem do universo, ameaçando a própria vida, como recentemente em Santa Catarina e em outras regiões do Brasil. Assim, a água é portadora de vida e de morte, e se torna critério de boa ou má conduta moral. Em quantidade suficiente ela é manifestação da bênção de Deus para o seu povo, enquanto que a seca é sinal de maldição para aqueles que são injustos, conforme essa visão bíblica. Nesse sentido, a passagem do Mar Vermelho representou uma triagem divina com relação aos perseguidores dos hebreus.
A festa da Purificação de Nossa Senhora, dia de grande festa em Santo Amaro, precedida de novenário e da tradicional lavagem, marca essa simbiose do cristianismo com a tradição judaica. Não é em vão que o velho axioma afirma que a “Igreja é filha da Sinagoga”. Para o mundo judeu a relação com Deus, que é o Santo e Puro por antonomásia, implica numa atitude de pureza para o fiel. A exigência dessa condição se traduz através de regras de toda espécie, mormente na área alimentar e por numerosos outros ritos de purificação. O livro do Levítico detalha abundantemente as prescrições a esse respeito : na alimentação, sexualidade, doenças , sepultamento e no próprio fato de dar à luz. Os ritos de purificação comportam lavagens e até sacrifícios, isto é, imolação de animais. No antigo Templo de Jerusalém havia áreas reservadas às purificações antes dos fiéis entrarem para orar. Hoje, ao lado do Muro das Lamentações, há pequenos lavatórios, como pias com torneiras, onde os que chegam lavam as mãos, e, alguns, até, o rosto, antes de entrarem no recinto. Talvez o costume católico das pias de água benta, à entrada das igrejas, tenha vindo dessa tradição.
A festa da Purificação, no Ocidente cristão, teve início nos séculos VI e VII, pois corresponde aos 40 dias do nascimento de Cristo. No Oriente cristão, como o Natal é celebrado em 6 de janeiro, a festa é celebrada mais adiante.
O sincretismo, ou outro termo mais apropriado, está sempre presente nas celebrações das religiões. Essa festa, por exemplo, em Roma, tomou um caráter penitencial e quis se opor aos ritos pagãos das “lustrações”.
Em Salvador, essa cidade-templo, que não é em vão que se chama ”de Todos os Santos”, o dia 2 de fevereiro é marcado pela festa de Iemanjá, a mãe das águas. O Rio vermelho se torna uma praia sagrada envolvida com tantas oferendas. A água exerce um fascínio sobre as pessoas e nas religiões é lugar de vida e de morte. Vi no Togo a festa de Mamiuatá, que é uma figuração de Iemanjá. Senhoras entram em transe, de mar a dentro, com jarros e buquês de flores para ofertar à Mãe das Águas e, em determinado momento, elas perdem os sentidos. Para não morrerem afogadas, há pescadores de prontidão para salvá-las e trazê-las à terra firme.
Sempre me impressionou essa ligação da água, especialmente do mar com a mãe. Talvez seja por isso, que em francês a grafia das duas palavras seja bem próxima e a pronúncia praticamente a mesma : La mère, a mãe e La mer, o mar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Causas religiosas das Insurreições Os Malês e Nina Rodrigues

Nina Rodrigues no seu livro “Os africanos no Brasil”, tem um capítulo intitulado “Os negros maometanos nos Brasil” onde comenta de forma fundamentada a Revolução Malê de 25 de Janeiro de 1835. Ele reflete de, forma crítica, as observações dos cronistas do século XIX que diziam ser as sublevações de escravos “simples manifestações de sentimentos maus e perversos dos selvagens de pele negra, um estigma que fazia leves todos os outros termos e predicados da mais rubra indignação”. Mas havia também os benevolentes que viam nessas atitudes represálias legítimas e justas de seres brutalizados por senhores desumanos. Mas o terceiro grupo,o dos escritores liberais, nos quais ele se incluía, eram os que enxergavam nas insurreições dos negros “uma revolta nobre de oprimidos contra o roubo de sua liberdade, pela qual reivindicavam, várias vezes, nobres exemplos de bravo heroísmo”.
Nina vai buscar as razões para as revoltas não apenas no momento pontual da escravidão aqui, com sua natural revolta, mas a coloca dentro de um contexto macro, mostrando que o seu real significado histórico tinha suas bases nas transformações étnicas e político-sociais que na época ocorriam no coração da África. Os levantes eram um reflexo e até um pálido esboço, neste lado do Atlântico, daquilo que inundava o sentimento das levas de escravizados vindos através do tráfico, aqui chegando como verdadeiros fragmentos das múltiplas nações negras que eles representavam.A língua era uma condição natural para abrigá-los num círculo inviolável a que ninguém tinha acesso.Mostra ele que muitas descrições ficaram num estudo superficial, retratando apenas explosões de desespero de escravos contra os seus senhores.”Mas elas se ligavam às transformações políticas feitas pelo Islamismo no mundo haussá e o iorubá, sob a direção dos fulos, fulas ou fulbis”.
Eles se estabeleceram no país dos haussás, que Nina cognomina como “belo”,em época anterior ao século XIV e foram eles que nessa região propagaram e difundiram o Islamismo. Mas isso não foi feito sem guerra. Na carta para Sua Majestade (16/07/1607), o sexto Conde de Ponte, Governador da Bahia, já mencionava a primeira insurreição dos negros haussás e dizia:”Esta colônia, pela produção do tabaco (...) importou no ano passado, as embarcações deste tráfico, 8.037 escravos, jejes,haussás e nagôs (etc), nações as mais guerreiras da costa de Leste e nos mais anos há com pouca diferença igual importação, grande parte fica nesta capitania e considerável quantidade nesta capital”.
Mostra Nina que os iorubanos (nagôs), os jejes (ewes), eram importados para o Brasil já há muito tempo. “Mas o valor especial da importação do início do século XIX reside na influência que os fulas e haussás maometanos começavam a exercer sobre eles”. Os haussás eram a nação considerada das mais adiantadas da África Central e as cidades de Kanô e Katsena eram denominadas pelos estudiosos como a “Florença dos haussás”.O Islamismo organizou-se, contrastando com a ignorância e brutalidade dos senhores, e os mestres que pregavam a conversão vieram e ensinaram a ler em árabe os livros do Alcorão, que também eram importados de lá.
Até o chefe de polícia que teve que reprimir a revolução de 1835, Dr. Francisco Gonçalves Martins, depois Visconde de S. Lourenço, pressentiu a importância das crenças religiosas dos haussás nessa luta.Nina cita como pululavam, em Salvador, os lugares de oração dos muçulmanos:” A modesta casa da rua da Alegria, que serve atualmente de Mesquita, tem uma sala interna destinada aos ofícios e atos divinos. Ali se reúnem os malês todas as sextas feiras para a prece ou ‘missa comum’. Duas vezes por ano há um grande jejum de sessenta dias (...). Os atos fúnebres são praticados com toda regularidade pelos alufás nas freguesias”.
E conclui o ilustre médico-antropólogo:”O certo é que a religião tinha sua parte na sublevação e os chefes faziam persuadir aos miseráveis que certos papéis os livrariam da morte , de onde vem encontrar-se nos corpos mortos grandes porções dos ditos e nas vestimentas ricas e esquisitas que figuram pertencer aos chefes, e foram encontradas em algumas buscas”.

A Lavagem do Bonfim E a palavra-oração do novo Reitor

Hoje é dia de grande festa em Salvador e em toda a Bahia. Para a lavagem do Bonfim todos acorrem pois ela simboliza a caminhada do próprio povo baiano na busca da união da fé. Para a maioria, a festa é hoje por causa do cortejo processional que tem como ponto de partida a Conceição da Praia arrastando em torno de um milhão de pessoas. De fato, o dia mesmo será no próximo domingo, com a Missa solene celebrada às 10:00h pelo Cardeal D. Magella. Essa solenidade é preparada por um novenário que tem em cada noite um pregador. A última noite da novena será no sábado às 19:00h e é organizada pela Amanda, entidade formada por um grupo de amigos de Claudelino Miranda, membro da Irmandade do Bonfim, e que tem por objetivo ajudar os pobres com campanhas, como a dos cobertores, no inverno. O pregador dessa noite será o Pe. Sadoc.
Neste ano o cortejo terá uma recepção especial. O novo Reitor da Basílica, Cônego Edson Menezes, que foi Reitor do Seminário Maior da Arquidiocese, de 1998 até 06/12/2008, receberá a multidão, em nome da Igreja, com uma saudação especial.
Ele conta que, como bom baiano, sempre foi a essa Lavagem. No ano passado, participando da festa e vendo aquela multidão imensa chegando até à Colina Sagrada, ficava um vazio,não havia uma presença pastoral. Disse,então, a alguns amigos que o cercavam :”Se eu fosse o Reitor, acolheria essa multidão com uma palavra espiritual”. Parecia uma auto-profecia. Pois eis que na festa do ano seguinte, isto é, este ano, ele lá está como Reitor. E seu desejo vai se realizar. Tendo conversado com Pe. Sadoc, com o Cardeal e com a Irmandade, a idéia do Reitor acolher o povo que acede àquele templo, foi bem aceita e tem sido aplaudida nas Missas quando ela é anunciada.
Com a sensibilidade que tem para com a cultura baiana e, sobretudo, com a religiosidade popular, Pe. Edson falará de uma das janelas da igreja com uma mensagem especial para aquele momento, saudando a todos, católicos, membros de outras entidades religiosas ( essa é uma celebração onde há um profundo encontro sincrético, que traduz a história do Brasil na Bahia), os representantes do povo, governantes, turistas.
Na sua homilia ele mostra que a cidade hoje se acordou mais cedo para saudar o Senhor do Bonfim. E há um fato que é bom que seja registrado : o Reitor queria que a imagem do Senhor do Bonfim, descida do altar-mor, viesse acolher o povo, mas a segurança achou mais prudente que se colocasse a imagem peregrina, que é uma cópia, pois não se sabe a reação devocional do povo num momento desses. De qualquer, Ele virá ao encontro do povo de braços abertos para receber a devoção e louvor dos baianos: “Nos seus braços de Pastor reúne a todos, na Bahia é o Guardião da nossa fé”. Pe. Edson profere uma oração onde há uma evocação da cor do Senhor do Bonfim :”Trazeis convosco o branco da Paz que emana amor e carinho para com todos nós. Com vossos olhos compassivos de paz e amor, olhai as nossas dificuldades, afastai do nosso caminho as misérias, as doenças, as desavenças e todo o mal, venha de onde vier”. Também a questão da paz no Oriente Médio, a Terra Santa, que se tornou a terra da guerra, não foi esquecida:”Estendei vosso manto de Paz entre Israelenses e Palestinos numa busca incessante de convivência pacífica ente os povos”. A oração elaborada para esse dia, reflete uma pesquisa sócio-antropológica e teológica e que, além de mostrar as origens do termo “Bonfim”, contém os elementos que caracterizam esse ritual:” De braços abertos na cruz, a vossa vida chegou ao fim. Foi um bom fim, porque lá onde findou a Vossa vida, surgiu a vida da graça, do amor, e do perdão para todos nós, negros, brancos, ricos e pobres, homens e mulheres. Esta terra , berço brasileiro, se prostra em adoração no dia de festa popular em que vos rendemos homenagem, Senhor. Aceitai e recebei nossos louvores, nossas flores, nossa alegria, nossa água perfumada. Abençoai todos os trabalhadores desta terra, sobretudo os que se encontram desempregados”.
A grande oração proferida pelo Pe. Edson é entrecortada por belos cânticos conhecidos pelo povo: Hino do Senhor do Bonfim, Então minha alma canta a Ti senhor, e a jaculatória “Alma de Cristo”. Os problemas relacionados com a intolerância religiosa, e os graves pecados sociais que agridem o nosso povo, relacionados com as diferentes formas de corrupção, têm o seu momento nessa prece:”Ensinai-nos a convivência pacífica e o fim da intolerância religiosa. Protegei-nos dos violentos e da corrupção, que se alastra em muitos setores da nossa sociedade. Ajudai-nos a fortalecer a cultura da vida, diante de tantos sinais de morte que assaltam nossas famílias, nossos bairros, sobretudo nos meios menos favorecidos. Protegei a juventude do perigo das drogas e da criminalidade. Ajudai-nos a ser discípulos e missionários a exemplo da Virgem Maria, Nossa Senhora da Guia”.
A celebração será encerrada com a bênção final, onde será proclamada a despedida :”O Senhor do Bonfim recebe as águas dessa lavagem,como recebeu generoso as lágrimas e o perfume de Maria Madalena. O Senhor do Bonfim vos asperge com a água de cheiro, recordando a suavidade de sua misericórdia, para lavar vosso corpo e vossa alma”. Após esse momento terá início a tradicional lavagem pelas baianas e pelo povo.
Nesse mesmo dia, por feliz coincidência, está sendo celebrado o Senhor Santo Amaro da Purificação. A festa está sendo organizada pelo jovem Pároco da Matriz do Rosário, Pe. Marcos Rogério, e a Missa Solene às 10:00 h terá como pregador o Pe. Sadoc .

Os Reis Magos são baianos e vêm de Santo Amaro

A festa da Epifania, ou festa de Reis, como é popularmente chamada, é em termos de calendário litúrgico, mais antiga do que a própria festa de Natal. No Oriente cristão ela veio primeiro concentrando todos os valores e acontecimentos relacionados com o Cristo Messias esperado. Epifania significa a manifestação do Senhor às Nações. Aquele pobre Menino da gruta em Belém tinha uma missão que era a de iluminar as nações como portador da PAZ dos céus, aquela que é fruto do Espírito. Ele veio para religar o que parecia perdido.O grande mistério que circunda a sua vida é que, conforme João o Evangelista, “Ele veio para os que eram seus e os seus não o receberam”. Por isso é que os Reis Magos são convocados para serem sinais dessa grande reunião de povos em torno do Cristo gerando unidade em torno da família humana.
A celebração do Natal, enquanto história, é um dos mais perfeitos sincretismos já realizados no cristianismo. Em Roma predominavam os cultos ao deus sol, especialmente no período de dezembro quando entre 21 e 25 de dezembro havia o fenômeno do solstício de inverno. Num desses dias o sol incidia num raio brilhante como numa despedida antes de mergulhar no sono do inverno. E Roma estava invadida de cultos miscigenados. Os gregos trouxeram da Pérsia o culto ao deus Mitra, que passou para a Grécia e de lá veio para Roma. Ao visitar essa milenar cidade, ao lado do Coliseu encontra-se a igreja de S. Clemente, o terceiro Papa após Pedro. E num subterrâneo que corresponde ao segundo andar inferior , encontra-se um mitreu, isto é, um pequeno templo devotado ao deus Mitra. Nesses dias de solstício, os cultos a Apolo, o deus da luz, associado a Mitra, predominavam na cidade Eterna. E isso feriu a sensibilidade dos cristãos que viam naquelas festas “carnavalescas” um culto idolátrico, isto é, uma adoração ao sol, que era uma criatura. Então se lembraram do Cântico de Simeão que ao receber Cristo, nos braços, vibrou de alegria exclamando: ”A luz do sol nascente veio nos visitar”. Imbuídos desse espírito de que se deve adorar ao Criador do sol e não à criatura – isto é, o sol – começou aquele tempo a ser marcado como o nascimento do Cristo. Claro que Cristo entrou na história nascendo numa data. Mas o Natal é uma data mais teológica do que histórica.
E a Epifania foi a celebração que concentro u todos esses acontecimentos misteriosos: o nascimento e a apresentação de Cristo às Nações através dos Magos que trazem simbolicamente seus presentes : ouro ao rei, incenso ao que é Deus e mirra ao que vai morrer. Há, portanto, uma convocação à constituição de um novo povo e a Igreja quer ser na sua vocação primeira, sinal disso, comunidade dos que crêem, uma casa aberta ”a todos os homens e mulheres de boa vontade”.
E como os grandes acontecimentos sempre passam pela Bahia, há alguns que dizem que os Reis Magos são baianos e vêm de Santo Amaro. A escritora Mabel Velloso, recorda esse fato e o consagrou numa bela poesia onde evoca a família do Pe. Sadoc. O pai dele, o Sr. José Porcino, homem de grande fé religiosa, colocou nos três filhos os nomes dos Reis Magos, Gaspar ( Pe. Sadoc), Belchior e Baltazar.
Diz o poema :
Aos três meninos chegados /Os nomes dos três Reis Magos
Zé Porcino escolheu /Na hora dos batizados.
Era bonita a história / Dos Reis que foram a Belém
Para ver o Deus-Menino /Prenúncio de todo bem
Repetindo a linda história / Mesmo que, em vez de Reis
Fossem pela vida afora / Vassalos do Rei Senhor
Eram então os Reis da casa /Ainda bem pequeninos
Gaspar, Belchior, Baltazar.

Natal, lição de humanidade

Todos sentimos nessa época de tom especial, o tempo natalino, algo que contrasta com o espírito inerente a esse ciclo: o que deveria ser paz de espírito e de confraternização com amigos e familiares, converte-se em dor de cabeça, irritação e cansaço. Certamente esse não deve ser o “presente” que o Deus-Menino tem a nos dar na celebração do seu nascimento. Isso tudo é fruto de um ritmo acelerado em cumprir todos os compromissos que essa época costuma nos impor. Outro dia eu próprio tinha cinco compromissos a cumprir numa mesma noite. Consegui reduzi-los a dois : o Natal do Instituto Geográfico e Histórico da BA, sempre organizado sob a batuta da grande Consuelo Pondé e o do Grupo da Melhor Idade Integração, realizado tradicionalmente no Othon - esse grupo está cada vez mais aprimorado, com cantos natalinos e até números de danças realizados pelas integrantes, que percorrem a idade dos sessenta e cinco aos noventa e dois anos . Nos dias anteriores houve o Natal da Academia Mater Salvatoris e da Fundação João Fernandes da Cunha.
Esses dias tão marcados por uma forte espiritualidade, são levados por um turbilhão de compromissos e corrida às compras, tudo gerando uma estafa crônica – é a síndrome do Natal. Nos EUA o distúrbio desse estresse natalino chama-se “multitasking”, múltiplas tarefas . E o agravante no Brasil, é que as pessoas deixam as compras para a última hora. De acordo com dados do Centro Psicológico do Controle do Stress (CPCS), de Campinas, as situações de estresse aumentam uma média de 70% nas últimas seis semanas do ano.
O jornal Diário de PE sugere até algumas “Dicas para sobreviver a dezembro”, como por exemplo: 1- Delegar as tarefas do Natal; 2- Optar por fazer compras em horários alternativos; 3- Evitar levar as crianças às compras; 4- Desligar-se da obrigação de comprar presentes e não comparecer a todas as confraternizações; 5- Negociar os presentes com os filhos.
A grande verdade subjacente a todos esses problemas é a importância de deslocar o foco do consumo desenfreado e que as pessoas recuperem a essência do objetivo original do encontro natalino. O Natal conserva uma mensagem necessária e atual para crentes e não-crentes : desejar o bem ao próximo e construir um mundo de paz sem tantas desigualdades: será que só há Natal para quem pode ter uma boa ceia natalina?
Sob o ponto de vista bíblico-teológico, Jesus Cristo representa o encontro de Deus com a pessoa humana. Toda essa reflexão nos é propiciada no Natal através do grande mistério da Encarnação do Filho de Deus e da “divinização do homem”, como diziam os teólogos dos primeiros séculos. Por isso João, o evangelista, diz que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Nessa afirmação está contido o máximo que podemos dizer de Deus e o máximo que podemos enunciar do homem. O Menino que repousa no presépio, em sua singeleza despretensiosa, contém a chave que ilumina o mistério da humanidade e o de Deus. Nele ambos se encontram, Deus e a criatura, numa absoluta imediatez: olho a olho, coração a coração, frente a frente. Esse mistério, a despeito do seu segredo, da sua misteriosidade, não nos aterra. Ao contrário, nos alegra sobremaneira. Os limites da nossa compreensão não nos entristecem; ao invés, nos aproximam do Amor Divino, por causa de sua simpatia para com a causa humana.
Há no coração da pessoa uma inquietação constante, uma busca de valores que a transcende. Santo Agostinho já manifestou essa busca : “Meu coração está inquieto , ó Deus (...)”. Essa sede infinita do homem trai a presença do Mistério de Deus dentro do seu coração. Quanto mais ele comungar com o Infinito, mais pessoa humana ele se torna. A nossa pobreza e limite é a forma que Deus toma para se fazer presente no homem. É o lado divino do homem e não apenas no homem.
O Natal revela o lado humano de Deus e o lado divino do homem. O homem é uma parábola de Deus. Se ele é comunhão, transcendência, abertura para outrem é porque reproduz, ao nível da criatura, o próprio modo de ser de Deus.
Vamos concluir fazendo nossas as palavras do Papa S. Leão Magno (falecido em 461), num célebre sermão na noite de Natal : ”A união das duas naturezas, a divina e a humana, numa só Pessoa, eis o que a palavra não pode explicar, se a fé não o crer. Alegremo-nos, portanto, de nossa incapacidade para falar de tão grande mistério de misericórdia, e, não podendo expressar o que há de sublime em nossa salvação, reconheçamos o que é bom para nós ser assim vencidos. Humildemente, tentemos nos achegar a esse mistério. De onde partir, do homem ou de Deus? Sendo Cristo o encontro de ambos, qualquer ponto de partida é excelente, porquanto nos conduz ao mesmo fim: o encontro do homem em Deus e de Deus no homem”.