sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Das águas da Purificação Às águas do Rio Vermelho

A história da Bíblia é marcada pela presença da água: água que destrói, que salva, que purifica. Os textos do Gênesis, que tratam do momento primordial da criação, apresentam o Criador tirando as águas do caos inicial e separando-as da terra .Ele as separa em dois lugares: no alto, onde fica a chuva e em baixo, onde estão o mar e os rios. Desde o início existe a consciência de que esse elemento é indispensável à vida. De outra forma, só haveria deserto e todo ser vivo seria votado à morte. De forma inversa, isto é, se ela vem em superabundância, ela transtorna a ordem do universo, ameaçando a própria vida, como recentemente em Santa Catarina e em outras regiões do Brasil. Assim, a água é portadora de vida e de morte, e se torna critério de boa ou má conduta moral. Em quantidade suficiente ela é manifestação da bênção de Deus para o seu povo, enquanto que a seca é sinal de maldição para aqueles que são injustos, conforme essa visão bíblica. Nesse sentido, a passagem do Mar Vermelho representou uma triagem divina com relação aos perseguidores dos hebreus.
A festa da Purificação de Nossa Senhora, dia de grande festa em Santo Amaro, precedida de novenário e da tradicional lavagem, marca essa simbiose do cristianismo com a tradição judaica. Não é em vão que o velho axioma afirma que a “Igreja é filha da Sinagoga”. Para o mundo judeu a relação com Deus, que é o Santo e Puro por antonomásia, implica numa atitude de pureza para o fiel. A exigência dessa condição se traduz através de regras de toda espécie, mormente na área alimentar e por numerosos outros ritos de purificação. O livro do Levítico detalha abundantemente as prescrições a esse respeito : na alimentação, sexualidade, doenças , sepultamento e no próprio fato de dar à luz. Os ritos de purificação comportam lavagens e até sacrifícios, isto é, imolação de animais. No antigo Templo de Jerusalém havia áreas reservadas às purificações antes dos fiéis entrarem para orar. Hoje, ao lado do Muro das Lamentações, há pequenos lavatórios, como pias com torneiras, onde os que chegam lavam as mãos, e, alguns, até, o rosto, antes de entrarem no recinto. Talvez o costume católico das pias de água benta, à entrada das igrejas, tenha vindo dessa tradição.
A festa da Purificação, no Ocidente cristão, teve início nos séculos VI e VII, pois corresponde aos 40 dias do nascimento de Cristo. No Oriente cristão, como o Natal é celebrado em 6 de janeiro, a festa é celebrada mais adiante.
O sincretismo, ou outro termo mais apropriado, está sempre presente nas celebrações das religiões. Essa festa, por exemplo, em Roma, tomou um caráter penitencial e quis se opor aos ritos pagãos das “lustrações”.
Em Salvador, essa cidade-templo, que não é em vão que se chama ”de Todos os Santos”, o dia 2 de fevereiro é marcado pela festa de Iemanjá, a mãe das águas. O Rio vermelho se torna uma praia sagrada envolvida com tantas oferendas. A água exerce um fascínio sobre as pessoas e nas religiões é lugar de vida e de morte. Vi no Togo a festa de Mamiuatá, que é uma figuração de Iemanjá. Senhoras entram em transe, de mar a dentro, com jarros e buquês de flores para ofertar à Mãe das Águas e, em determinado momento, elas perdem os sentidos. Para não morrerem afogadas, há pescadores de prontidão para salvá-las e trazê-las à terra firme.
Sempre me impressionou essa ligação da água, especialmente do mar com a mãe. Talvez seja por isso, que em francês a grafia das duas palavras seja bem próxima e a pronúncia praticamente a mesma : La mère, a mãe e La mer, o mar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Causas religiosas das Insurreições Os Malês e Nina Rodrigues

Nina Rodrigues no seu livro “Os africanos no Brasil”, tem um capítulo intitulado “Os negros maometanos nos Brasil” onde comenta de forma fundamentada a Revolução Malê de 25 de Janeiro de 1835. Ele reflete de, forma crítica, as observações dos cronistas do século XIX que diziam ser as sublevações de escravos “simples manifestações de sentimentos maus e perversos dos selvagens de pele negra, um estigma que fazia leves todos os outros termos e predicados da mais rubra indignação”. Mas havia também os benevolentes que viam nessas atitudes represálias legítimas e justas de seres brutalizados por senhores desumanos. Mas o terceiro grupo,o dos escritores liberais, nos quais ele se incluía, eram os que enxergavam nas insurreições dos negros “uma revolta nobre de oprimidos contra o roubo de sua liberdade, pela qual reivindicavam, várias vezes, nobres exemplos de bravo heroísmo”.
Nina vai buscar as razões para as revoltas não apenas no momento pontual da escravidão aqui, com sua natural revolta, mas a coloca dentro de um contexto macro, mostrando que o seu real significado histórico tinha suas bases nas transformações étnicas e político-sociais que na época ocorriam no coração da África. Os levantes eram um reflexo e até um pálido esboço, neste lado do Atlântico, daquilo que inundava o sentimento das levas de escravizados vindos através do tráfico, aqui chegando como verdadeiros fragmentos das múltiplas nações negras que eles representavam.A língua era uma condição natural para abrigá-los num círculo inviolável a que ninguém tinha acesso.Mostra ele que muitas descrições ficaram num estudo superficial, retratando apenas explosões de desespero de escravos contra os seus senhores.”Mas elas se ligavam às transformações políticas feitas pelo Islamismo no mundo haussá e o iorubá, sob a direção dos fulos, fulas ou fulbis”.
Eles se estabeleceram no país dos haussás, que Nina cognomina como “belo”,em época anterior ao século XIV e foram eles que nessa região propagaram e difundiram o Islamismo. Mas isso não foi feito sem guerra. Na carta para Sua Majestade (16/07/1607), o sexto Conde de Ponte, Governador da Bahia, já mencionava a primeira insurreição dos negros haussás e dizia:”Esta colônia, pela produção do tabaco (...) importou no ano passado, as embarcações deste tráfico, 8.037 escravos, jejes,haussás e nagôs (etc), nações as mais guerreiras da costa de Leste e nos mais anos há com pouca diferença igual importação, grande parte fica nesta capitania e considerável quantidade nesta capital”.
Mostra Nina que os iorubanos (nagôs), os jejes (ewes), eram importados para o Brasil já há muito tempo. “Mas o valor especial da importação do início do século XIX reside na influência que os fulas e haussás maometanos começavam a exercer sobre eles”. Os haussás eram a nação considerada das mais adiantadas da África Central e as cidades de Kanô e Katsena eram denominadas pelos estudiosos como a “Florença dos haussás”.O Islamismo organizou-se, contrastando com a ignorância e brutalidade dos senhores, e os mestres que pregavam a conversão vieram e ensinaram a ler em árabe os livros do Alcorão, que também eram importados de lá.
Até o chefe de polícia que teve que reprimir a revolução de 1835, Dr. Francisco Gonçalves Martins, depois Visconde de S. Lourenço, pressentiu a importância das crenças religiosas dos haussás nessa luta.Nina cita como pululavam, em Salvador, os lugares de oração dos muçulmanos:” A modesta casa da rua da Alegria, que serve atualmente de Mesquita, tem uma sala interna destinada aos ofícios e atos divinos. Ali se reúnem os malês todas as sextas feiras para a prece ou ‘missa comum’. Duas vezes por ano há um grande jejum de sessenta dias (...). Os atos fúnebres são praticados com toda regularidade pelos alufás nas freguesias”.
E conclui o ilustre médico-antropólogo:”O certo é que a religião tinha sua parte na sublevação e os chefes faziam persuadir aos miseráveis que certos papéis os livrariam da morte , de onde vem encontrar-se nos corpos mortos grandes porções dos ditos e nas vestimentas ricas e esquisitas que figuram pertencer aos chefes, e foram encontradas em algumas buscas”.

A Lavagem do Bonfim E a palavra-oração do novo Reitor

Hoje é dia de grande festa em Salvador e em toda a Bahia. Para a lavagem do Bonfim todos acorrem pois ela simboliza a caminhada do próprio povo baiano na busca da união da fé. Para a maioria, a festa é hoje por causa do cortejo processional que tem como ponto de partida a Conceição da Praia arrastando em torno de um milhão de pessoas. De fato, o dia mesmo será no próximo domingo, com a Missa solene celebrada às 10:00h pelo Cardeal D. Magella. Essa solenidade é preparada por um novenário que tem em cada noite um pregador. A última noite da novena será no sábado às 19:00h e é organizada pela Amanda, entidade formada por um grupo de amigos de Claudelino Miranda, membro da Irmandade do Bonfim, e que tem por objetivo ajudar os pobres com campanhas, como a dos cobertores, no inverno. O pregador dessa noite será o Pe. Sadoc.
Neste ano o cortejo terá uma recepção especial. O novo Reitor da Basílica, Cônego Edson Menezes, que foi Reitor do Seminário Maior da Arquidiocese, de 1998 até 06/12/2008, receberá a multidão, em nome da Igreja, com uma saudação especial.
Ele conta que, como bom baiano, sempre foi a essa Lavagem. No ano passado, participando da festa e vendo aquela multidão imensa chegando até à Colina Sagrada, ficava um vazio,não havia uma presença pastoral. Disse,então, a alguns amigos que o cercavam :”Se eu fosse o Reitor, acolheria essa multidão com uma palavra espiritual”. Parecia uma auto-profecia. Pois eis que na festa do ano seguinte, isto é, este ano, ele lá está como Reitor. E seu desejo vai se realizar. Tendo conversado com Pe. Sadoc, com o Cardeal e com a Irmandade, a idéia do Reitor acolher o povo que acede àquele templo, foi bem aceita e tem sido aplaudida nas Missas quando ela é anunciada.
Com a sensibilidade que tem para com a cultura baiana e, sobretudo, com a religiosidade popular, Pe. Edson falará de uma das janelas da igreja com uma mensagem especial para aquele momento, saudando a todos, católicos, membros de outras entidades religiosas ( essa é uma celebração onde há um profundo encontro sincrético, que traduz a história do Brasil na Bahia), os representantes do povo, governantes, turistas.
Na sua homilia ele mostra que a cidade hoje se acordou mais cedo para saudar o Senhor do Bonfim. E há um fato que é bom que seja registrado : o Reitor queria que a imagem do Senhor do Bonfim, descida do altar-mor, viesse acolher o povo, mas a segurança achou mais prudente que se colocasse a imagem peregrina, que é uma cópia, pois não se sabe a reação devocional do povo num momento desses. De qualquer, Ele virá ao encontro do povo de braços abertos para receber a devoção e louvor dos baianos: “Nos seus braços de Pastor reúne a todos, na Bahia é o Guardião da nossa fé”. Pe. Edson profere uma oração onde há uma evocação da cor do Senhor do Bonfim :”Trazeis convosco o branco da Paz que emana amor e carinho para com todos nós. Com vossos olhos compassivos de paz e amor, olhai as nossas dificuldades, afastai do nosso caminho as misérias, as doenças, as desavenças e todo o mal, venha de onde vier”. Também a questão da paz no Oriente Médio, a Terra Santa, que se tornou a terra da guerra, não foi esquecida:”Estendei vosso manto de Paz entre Israelenses e Palestinos numa busca incessante de convivência pacífica ente os povos”. A oração elaborada para esse dia, reflete uma pesquisa sócio-antropológica e teológica e que, além de mostrar as origens do termo “Bonfim”, contém os elementos que caracterizam esse ritual:” De braços abertos na cruz, a vossa vida chegou ao fim. Foi um bom fim, porque lá onde findou a Vossa vida, surgiu a vida da graça, do amor, e do perdão para todos nós, negros, brancos, ricos e pobres, homens e mulheres. Esta terra , berço brasileiro, se prostra em adoração no dia de festa popular em que vos rendemos homenagem, Senhor. Aceitai e recebei nossos louvores, nossas flores, nossa alegria, nossa água perfumada. Abençoai todos os trabalhadores desta terra, sobretudo os que se encontram desempregados”.
A grande oração proferida pelo Pe. Edson é entrecortada por belos cânticos conhecidos pelo povo: Hino do Senhor do Bonfim, Então minha alma canta a Ti senhor, e a jaculatória “Alma de Cristo”. Os problemas relacionados com a intolerância religiosa, e os graves pecados sociais que agridem o nosso povo, relacionados com as diferentes formas de corrupção, têm o seu momento nessa prece:”Ensinai-nos a convivência pacífica e o fim da intolerância religiosa. Protegei-nos dos violentos e da corrupção, que se alastra em muitos setores da nossa sociedade. Ajudai-nos a fortalecer a cultura da vida, diante de tantos sinais de morte que assaltam nossas famílias, nossos bairros, sobretudo nos meios menos favorecidos. Protegei a juventude do perigo das drogas e da criminalidade. Ajudai-nos a ser discípulos e missionários a exemplo da Virgem Maria, Nossa Senhora da Guia”.
A celebração será encerrada com a bênção final, onde será proclamada a despedida :”O Senhor do Bonfim recebe as águas dessa lavagem,como recebeu generoso as lágrimas e o perfume de Maria Madalena. O Senhor do Bonfim vos asperge com a água de cheiro, recordando a suavidade de sua misericórdia, para lavar vosso corpo e vossa alma”. Após esse momento terá início a tradicional lavagem pelas baianas e pelo povo.
Nesse mesmo dia, por feliz coincidência, está sendo celebrado o Senhor Santo Amaro da Purificação. A festa está sendo organizada pelo jovem Pároco da Matriz do Rosário, Pe. Marcos Rogério, e a Missa Solene às 10:00 h terá como pregador o Pe. Sadoc .

Os Reis Magos são baianos e vêm de Santo Amaro

A festa da Epifania, ou festa de Reis, como é popularmente chamada, é em termos de calendário litúrgico, mais antiga do que a própria festa de Natal. No Oriente cristão ela veio primeiro concentrando todos os valores e acontecimentos relacionados com o Cristo Messias esperado. Epifania significa a manifestação do Senhor às Nações. Aquele pobre Menino da gruta em Belém tinha uma missão que era a de iluminar as nações como portador da PAZ dos céus, aquela que é fruto do Espírito. Ele veio para religar o que parecia perdido.O grande mistério que circunda a sua vida é que, conforme João o Evangelista, “Ele veio para os que eram seus e os seus não o receberam”. Por isso é que os Reis Magos são convocados para serem sinais dessa grande reunião de povos em torno do Cristo gerando unidade em torno da família humana.
A celebração do Natal, enquanto história, é um dos mais perfeitos sincretismos já realizados no cristianismo. Em Roma predominavam os cultos ao deus sol, especialmente no período de dezembro quando entre 21 e 25 de dezembro havia o fenômeno do solstício de inverno. Num desses dias o sol incidia num raio brilhante como numa despedida antes de mergulhar no sono do inverno. E Roma estava invadida de cultos miscigenados. Os gregos trouxeram da Pérsia o culto ao deus Mitra, que passou para a Grécia e de lá veio para Roma. Ao visitar essa milenar cidade, ao lado do Coliseu encontra-se a igreja de S. Clemente, o terceiro Papa após Pedro. E num subterrâneo que corresponde ao segundo andar inferior , encontra-se um mitreu, isto é, um pequeno templo devotado ao deus Mitra. Nesses dias de solstício, os cultos a Apolo, o deus da luz, associado a Mitra, predominavam na cidade Eterna. E isso feriu a sensibilidade dos cristãos que viam naquelas festas “carnavalescas” um culto idolátrico, isto é, uma adoração ao sol, que era uma criatura. Então se lembraram do Cântico de Simeão que ao receber Cristo, nos braços, vibrou de alegria exclamando: ”A luz do sol nascente veio nos visitar”. Imbuídos desse espírito de que se deve adorar ao Criador do sol e não à criatura – isto é, o sol – começou aquele tempo a ser marcado como o nascimento do Cristo. Claro que Cristo entrou na história nascendo numa data. Mas o Natal é uma data mais teológica do que histórica.
E a Epifania foi a celebração que concentro u todos esses acontecimentos misteriosos: o nascimento e a apresentação de Cristo às Nações através dos Magos que trazem simbolicamente seus presentes : ouro ao rei, incenso ao que é Deus e mirra ao que vai morrer. Há, portanto, uma convocação à constituição de um novo povo e a Igreja quer ser na sua vocação primeira, sinal disso, comunidade dos que crêem, uma casa aberta ”a todos os homens e mulheres de boa vontade”.
E como os grandes acontecimentos sempre passam pela Bahia, há alguns que dizem que os Reis Magos são baianos e vêm de Santo Amaro. A escritora Mabel Velloso, recorda esse fato e o consagrou numa bela poesia onde evoca a família do Pe. Sadoc. O pai dele, o Sr. José Porcino, homem de grande fé religiosa, colocou nos três filhos os nomes dos Reis Magos, Gaspar ( Pe. Sadoc), Belchior e Baltazar.
Diz o poema :
Aos três meninos chegados /Os nomes dos três Reis Magos
Zé Porcino escolheu /Na hora dos batizados.
Era bonita a história / Dos Reis que foram a Belém
Para ver o Deus-Menino /Prenúncio de todo bem
Repetindo a linda história / Mesmo que, em vez de Reis
Fossem pela vida afora / Vassalos do Rei Senhor
Eram então os Reis da casa /Ainda bem pequeninos
Gaspar, Belchior, Baltazar.

Natal, lição de humanidade

Todos sentimos nessa época de tom especial, o tempo natalino, algo que contrasta com o espírito inerente a esse ciclo: o que deveria ser paz de espírito e de confraternização com amigos e familiares, converte-se em dor de cabeça, irritação e cansaço. Certamente esse não deve ser o “presente” que o Deus-Menino tem a nos dar na celebração do seu nascimento. Isso tudo é fruto de um ritmo acelerado em cumprir todos os compromissos que essa época costuma nos impor. Outro dia eu próprio tinha cinco compromissos a cumprir numa mesma noite. Consegui reduzi-los a dois : o Natal do Instituto Geográfico e Histórico da BA, sempre organizado sob a batuta da grande Consuelo Pondé e o do Grupo da Melhor Idade Integração, realizado tradicionalmente no Othon - esse grupo está cada vez mais aprimorado, com cantos natalinos e até números de danças realizados pelas integrantes, que percorrem a idade dos sessenta e cinco aos noventa e dois anos . Nos dias anteriores houve o Natal da Academia Mater Salvatoris e da Fundação João Fernandes da Cunha.
Esses dias tão marcados por uma forte espiritualidade, são levados por um turbilhão de compromissos e corrida às compras, tudo gerando uma estafa crônica – é a síndrome do Natal. Nos EUA o distúrbio desse estresse natalino chama-se “multitasking”, múltiplas tarefas . E o agravante no Brasil, é que as pessoas deixam as compras para a última hora. De acordo com dados do Centro Psicológico do Controle do Stress (CPCS), de Campinas, as situações de estresse aumentam uma média de 70% nas últimas seis semanas do ano.
O jornal Diário de PE sugere até algumas “Dicas para sobreviver a dezembro”, como por exemplo: 1- Delegar as tarefas do Natal; 2- Optar por fazer compras em horários alternativos; 3- Evitar levar as crianças às compras; 4- Desligar-se da obrigação de comprar presentes e não comparecer a todas as confraternizações; 5- Negociar os presentes com os filhos.
A grande verdade subjacente a todos esses problemas é a importância de deslocar o foco do consumo desenfreado e que as pessoas recuperem a essência do objetivo original do encontro natalino. O Natal conserva uma mensagem necessária e atual para crentes e não-crentes : desejar o bem ao próximo e construir um mundo de paz sem tantas desigualdades: será que só há Natal para quem pode ter uma boa ceia natalina?
Sob o ponto de vista bíblico-teológico, Jesus Cristo representa o encontro de Deus com a pessoa humana. Toda essa reflexão nos é propiciada no Natal através do grande mistério da Encarnação do Filho de Deus e da “divinização do homem”, como diziam os teólogos dos primeiros séculos. Por isso João, o evangelista, diz que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Nessa afirmação está contido o máximo que podemos dizer de Deus e o máximo que podemos enunciar do homem. O Menino que repousa no presépio, em sua singeleza despretensiosa, contém a chave que ilumina o mistério da humanidade e o de Deus. Nele ambos se encontram, Deus e a criatura, numa absoluta imediatez: olho a olho, coração a coração, frente a frente. Esse mistério, a despeito do seu segredo, da sua misteriosidade, não nos aterra. Ao contrário, nos alegra sobremaneira. Os limites da nossa compreensão não nos entristecem; ao invés, nos aproximam do Amor Divino, por causa de sua simpatia para com a causa humana.
Há no coração da pessoa uma inquietação constante, uma busca de valores que a transcende. Santo Agostinho já manifestou essa busca : “Meu coração está inquieto , ó Deus (...)”. Essa sede infinita do homem trai a presença do Mistério de Deus dentro do seu coração. Quanto mais ele comungar com o Infinito, mais pessoa humana ele se torna. A nossa pobreza e limite é a forma que Deus toma para se fazer presente no homem. É o lado divino do homem e não apenas no homem.
O Natal revela o lado humano de Deus e o lado divino do homem. O homem é uma parábola de Deus. Se ele é comunhão, transcendência, abertura para outrem é porque reproduz, ao nível da criatura, o próprio modo de ser de Deus.
Vamos concluir fazendo nossas as palavras do Papa S. Leão Magno (falecido em 461), num célebre sermão na noite de Natal : ”A união das duas naturezas, a divina e a humana, numa só Pessoa, eis o que a palavra não pode explicar, se a fé não o crer. Alegremo-nos, portanto, de nossa incapacidade para falar de tão grande mistério de misericórdia, e, não podendo expressar o que há de sublime em nossa salvação, reconheçamos o que é bom para nós ser assim vencidos. Humildemente, tentemos nos achegar a esse mistério. De onde partir, do homem ou de Deus? Sendo Cristo o encontro de ambos, qualquer ponto de partida é excelente, porquanto nos conduz ao mesmo fim: o encontro do homem em Deus e de Deus no homem”.

domingo, 30 de novembro de 2008

UM ADVENTO ESPECIAL NA IGREJA DA VITORIA

O Advento é o grande tema de preparação para a festa do Natal. São quatro domingos marcados por essa tônica. Como a Quaresma, que tem cinco domingos como preparação para a Páscoa, o Advento constitui um dos pólos mais importantes do ciclo litúrgico. Natal e Páscoa se encontram e se completam - não há um sem o outro. Ele simboliza a longa caminhada do povo eleito na expectativa do Senhor, de sua vinda. E aí há muitas vindas que se imbricam: a vinda do Messias prometido, a volta do Senhor que muitas comunidades da Igreja dos primeiros séculos esperavam de forma imediata. S. Paulo nas suas epístolas, critica a passividade de alguns grupos que não queriam se engajar na sociedade esperando “o retorno do Senhor”, isto é, ficavam na expectativa “do fim do mundo”. E esse tempo do Advento, na perspectiva cristã, é muito rico. Nesse primeiro domingo a palavra de ordem é “vigiar para que no retorno do Senhor não estejamos dormindo”. Dormir é ficar parado, é não ficar atento à História que passa, é não querer entrar nela e construí-la. A liturgia faz esse apelo para que todos possam perceber Cristo retornando à História dos nossos dias e resgatando dignidades perdidas, através do engajamento de cada cristão.
Pois bem, essa celebração na igreja da Vitória foi marcada com a coincidência do aniversário de ordenação do Pe. Sadoc – são 67 anos de dedicação à Igreja e de serviços aos irmãos. Na missa ele relembrou a trajetória do seu trabalho sacerdotal, começando em S. Cosme e Damião, na Liberdade. “Comecei lá, num bairro sem água, sem esgoto, em alguns lugares não havia luz. Nem igreja havia. Celebrava a missa no terraço de uma casa de família. Depois de alguns anos fui mandado para S. Judas Tadeu. Lá construí a igreja matriz. Um dia D. Eugênio me mandou para a Vitória. Chegando lá, encontrei uma igreja e uma paróquia com tudo desordenado. Na minha posse havia umas dez pessoas. Quem me ajudou foi o governador Luis Viana, que de imediato mandou seu secretário. E logo a igreja foi restaurada”. Dessa forma, ele mostrou como se sentiu feliz em cada uma delas, cada uma diferente, mas que todas deixaram marcas no seu coração.
Na missa houve uma homenagem da paroquiana Lígia Fialho com um “Louvor ao bom pastor”. Assim ela o saudou: “Há pessoas preocupadas com seus problemas e buscam encontrar sempre o melhor sistema para solucionar a dificuldade dos irmãos. Pe. Sadoc é o amigo que em qualquer ocasião está atento às nossas carências – e com imensa alegria vai ouvindo o que lhe dizem em confissão. Em sua mesa nunca falta o bolo, o pão, para os que chegam à sua casa acolhedora. Sua palavra tão humana, é portadora de zelo, de carinho, de cuidado. Discretamente se mantém ao lado, para,assim, repartir sua imensa sabedoria. E é com a maior das alegrias que louvo hoje a esse grande amigo. Ele é um bom pastor que está sempre atento à nossa dor”.
O almoço, no Hotel da Bahia, organizado por Claudelino Miranda,que o cognominou de “Arcipreste”, isto é, o primeiros dentre os sacerdotes, e contou com grande número de amigos: Dr. Edivaldo Brito, o novo Vice-Prefeito, o Comandante Geral da Polícia ,Cel. Nilton Mascarenhas e esposa, o Bispo-Auxiliar, D. Petrini, muitos irmãos sacerdotes, Dr. Valter Pinheiro ( A Tribuna), Prof. José Nilton, Presidente da Mater Salvatoris. Representando o clero, falou o Cônego Edson Menezes, Reitor do Santuário do Bonfim:” Pe. Sadoc é aquele que sente compaixão de todos os que necessitam de ajuda. Cuida dos padres, de qualquer padre, porque todos são seus irmãos. Não mede distância para resolver suas dificuldades. Ele tem a casa sempre aberta, sua mesa está sempre posta. Sua pregação é remédio para os doentes, alimento para o povo de Deus. Carrega as ovelhas mais necessitadas no seu coração. É um servidor, encontra sempre espaço na sua agenda. Ele é alguém que, pacientemente, fala sempre com o coração. Dos seus lábios nunca sai um não”. Foi também lida uma mensagem do Pe. Sílvio Lima;”Pe. Sadoc já faz parte do patrimônio histórico e cultural da Bahia.A Igreja da Bahia sente-se feliz e transborda de alegria ao celebrar o seu sacerdócio Que o senhor continue sempre a ser fiel à Igreja. Ad multos annos, que viva muitos anos”.
Concluindo a série de discursos, o homenageado ainda acrescentou:”Só aceito festa feita pelo coração. Abraço a todos que aqui estão Estou vindo do Senhor do Bonfim, onde hoje lá está a imagem da Purificação, a Mãe da minha terra, a Mãe do Recôncavo Baiano”. E ainda agradeceu ao organizador da festa que reuniu a todos ali:” Miranda faz festa que a História guarda no coração da gente”. E concluiu: “Sou padre por causa de vocês, o rebanho que o Senhor me deu”.

Sebastião Heber Vieira Costa. Prof. Adjunto de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris, do IGHB e do Instituto de Genealogia da Bahia.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pe. Sadoc, 67 anos de sacerdócio O Lampião do Seminário

Para alguns pode parecer longíncuo o ano de 1941, mas para Pe. Sadoc ele está muito próximo à sua história, à sua vocação, à sua vida. Foi no dia 30 de novembro daquele ano que foi ordenado padre pelo Cardeal D. Augusto na Igreja Catedral do Terreiro de Jesus. Já não mais existia a primeira igreja, da Praça da Sé, que ele frequentara como seminarista nos grandes dias de festa, sobretudo na Semana Santa, aquela igreja, mãe de todas as igrejas do Brasil. Os motivos da sua destruição, todos sabem mas não entendem e nem perdoam, sobretudo ele, o festejado, que alem de ser professor de história, é símbolo da história da Bahia.
Ele conserva vívidas lembranças do dia de sua ordenação. Quando terminou a celebração na Catedral, todos se dirigiram para Seminário de Santa Tereza. O refeitório estava ornado de flores, sobretudo o seu lugar. Quanto se dirigiu para o seu quarto ( naquele tempo chamava-se “cela”), lá também havia flores à porta. Do tempo de Seminário ele relata os bons e maus momentos. No livro que comemora os seus 90 anos – Pe. Sadoc, 90 anos, Pároco, Orador e Amigo – ele descreve em minúcias a sua relação com os seus colegas e diretores. Mas ainda está bem presente nas suas recordações o Pe. Luis Negreiros, diretor super-severo, quando ele ainda era seminarista menor, adolescente dos seus 14 anos. Um dia esse diretor , na frente de todos, começou a dizer que no seminário havia um bando de Lampião, que na época estava em plena atividade. E começou a descrever um a um associando-os a algum cangaceiro do bando de Lampião. E o seminarista Gaspar ficou curioso, pois seu nome não fora proclamado. Mas no final do relato, o diretor, solenemente e dando uma ênfase especial, diz que agora é a vez de anunciar o chefe do bando, o próprio Lampião que é Gaspar Sadoc. Apesar do clima de tensão e austeridade, todos os seminaristas estouraram numa grande gargalhada.
Mas o anúncio não ficou por aí. Havia um costume disciplinar, naquele tempo, de castigar os seminaristas deixando-os horas a fio em pé recostados numa das colunas do claustro, sem poder falar com ninguém, enquanto o diretor inspecionava girando de um lado a outro. Foi esse o destino de “Lampião” e do seu “bando”. Mas ele não tem mágoas, relembra tudo isso rindo muito da falta de imaginação, de pedagogia e de espírito pastoral de muitos formadores do seu tempo.
A grande verdade da vida sacerdotal de Pe. Sadoc ( é assim que ele gosta de ser chamado, pois tem o título honorífico de Monsenhor, e afirma que nunca assinou o nome dessa forma), é que sua vida foi sempre um dom, um serviço para todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes, brancos, negros, morenos, amarelos e vermelhos.
Quem convive mais de perto dele, vê e sabe como trata os pobres. As nossas esmolas de cinquenta centavos, um real, ele as dá de dez, vinte, trinta. Há amigos que reagem dizendo que aquela pessoa é drogada, mas ele responde dizendo:”Ele me pediu dinheiro para comida ou para remédio, se vai usar de outra forma, ele que responda diante de Deus”.
A sua sensibilidade sempre foi grande pois é um homem ligado à natureza. Quando ainda estava em S. Cosme e Damião, apareceu na casa dele um cachorro, que ele chamou de Granfino – mas foi o cão que adotou o Pe. Sadoc. Esse o acompanhava em tudo, até nas confissões dos doentes. Ele mesmo conta que havia momentos em que o cachorro ia mexer nas panelas das casas visitadas. Um dia apareceu com uma espécie de derrame. Pacientemente ele cuidou dele – e um dia, repentinamente, ele desapareceu.
Dr. Flávio de Paula, fiel membro da Paróquia da Vitória , no seu livro “Sonhos e Realidades – crônicas e poesias”, relata num artigo intitulado “Tico, o amigo de fé”, que é a história de um passarinho , um tico-tico, que também “adotou” Pe. Sadoc, na casa paroquial da Vitória. Diz o autor:”O pequenino pássaro tem plumagem multicolorida, uma vivacidade fora do comum e temperamento de quem gosta de fazer boas amizades. Seu habitat são as árvores do terreno vizinho e de lá, sempre vigilante, acompanha todos os passos do bom amigo. Basta Pe. Sadoc entrar na sala para que ele apareça na janela, saltitante, cantarolando alguma coisa. É bem provável que, na sua linguagem, esteja dizendo:Paz e Bem”.
E esse passarinho tornou-se íntimo a ponto de, estando o dono da casa à mesa, ele mexer em todos os pratos indo até um frasco de mel que lhe era reservado. O articulista relembra que na festa dos 50 anos de sacerdócio, havia um belo bolo confeitado. Tico não se deu por rogado, pulou para cima do bolo, ciscou, lambuzou-se todo de glacê. Certamente ele pensou : se era do amigo, também ele tinha direito.
Na sua casa, ao lado do Costa Pinto, há alguns pássaros cantores e muitos outros que vivem lá saboreando o alpiste que o dono da casa coloca para os seus amigos.
Estamos receosos que no almoço que o amigo Claudelino Miranda vai oferecer ao homenageado, no Hotel da Bahia, apareça uma revoada de pássaros e, talvez, até alguns cães, para participarem da comemoração.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vida após a morte Ciência e Religião

O Dia de Finados trouxe uma mobilização inevitável pois todo mundo tem algum ente querido a quem recordar nesse dia. A compra de flores, as celebrações da missa se multiplicaram, especialmente nos cemitérios e as visitas aos túmulos.
E a morte é sempre um mistério, para crentes e não crentes. E as religiões reservam ritos e orações especiais para esse momento. Para o cristianismo nascente, as celebrações litúrgicas se desenvolviam nas catacumbas, cemitérios pagãos cedidos para abrigar os cristãos e onde a memória dos mártires era cultivada através do ágape eucarístico.
A comemoração dos fiéis falecidos teve uma expansão a partir da Abadia de Cluny, na França, no século X, ocupando um grande lugar na devoção cristã, chegando ao ponto do Papa Bento XV ( durante a 1ª Guerra) conceder aos sacerdotes católicos o privilégio de poderem celebrar três missas nessa dia, em sufrágio dos mortos.
Independente de crença religiosa, a pessoa humana tem sempre uma interrogação básica, que a própria filosofia natural coloca ao ser pensante : quem eu sou, de onde vim , para onde vou?
Há na pessoa um impulso para o ter que, normalmente, neurotiza a todos e a sociedade. A grande verdade, é que nunca achamos que temos o suficiente. Vivemos voltados para um contínuo amanhã, do qual esperamos sempre mais: mais amor, mais felicidade, mais bem-estar, mais tudo ... Vivemos impelidos pela esperança. Mas no fundo dessa nossa dinâmica de vida e esperança, se oculta, sempre à espreita, o pensamento da morte, um pensamento ao qual não nos habituamos e que sempre queremos afastar. No entanto, a morte é a companheira de toda nossa existência; despedidas e doenças, dores e desilusões são dela sinais a nos advertir.
Mas a morte tem também uma abordagem da ciência e talvez seja o mistério não resolvido da ciência e o mais impenetrável da história da humanidade.
O jornal A Tarde analisou no dia dos mortos num artigo – Vida após a morte – as experiências de pacientes em UTI que descrevem o que sentiam após a parada cardíaca. E nesse sentido, cita o estudo relatado no livro “O que acontece quando morremos”, do médico Sam Parnia, recentemente lançado pela editora Larousse. Essa é mais uma tentativa de chegar mais pero do enigma através de uma minuciosa pesquisa sobre a quase-morte e fatos vivenciados em UTI. E o artigo se desdobra citando vivências de pessoas ligadas à ciência com a experiência de quase-morte. Segundo o neuropsiquiatra Peter Fenwick , do Royal College of Psychiatrists de Londres, essas experiências de quase-morte “são tão alarmantes quanto intrigantes e podem conter a chave para a descoberta do que acontece não apenas quando morremos, mas também para a questão mais ampla da natureza do ser”.
O filósofo Wittgenstein dizia que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Os avanços nesse campo, nos nossos dias, ultrapassam esse ponto de vista. Um dos pioneiros nessa abordagem foi o médico Raymond Moody, autor do livro Vida Após a Morte. Mas Sam Parnia, citado acima, foi mais além. Ele se debruçou sobre o cotidiano no hospital britânico Southampton General, local em que começou a se interessar nas informações dadas por seus pacientes que passaram pelo momento clinicamente conhecido como o ponto de morte. Ele percebeu que a melhor compreensão sobre a morte pode ser atingida ao estudar experiências de quase-morte, quando o coração deixa de bater e , após onze minutos a consciência e atividade cerebral cessam. Segundo ele , esse estado permanece reversível por trinta minutos e é o modelo possível para que a ciência ultrapasse o portal para o desconhecido e construa uma teoria sobre o processo da morte. Diz o pesquisador: “Trata-se de uma brecha excepcional de compreensão para aquilo que experimentamos como o fim da vida”.
Há muitos casos de pessoas que descrevem suas experiências de quase-morte e que contam sua sensação de terem deixado seus corpos Há um caso da Nova Zelândia em que a pessoa diz que “sabia que estava numa existência diferente; em meu estado inconsciente e pensei : então isso é a morte. A única coisa que permaneceu foi que o meu espírito se movia separadamente de meu corpo...”.
De qualquer forma, a morte permanece como um mistério profundo. E podemos nos perguntar se o fato de ser cristão muda alguma coisa no modo de considerar e enfrentar a morte ? Qual a atitude cristã diante da pergunta sobre o sentido último da existência humana, que a morte nos põe continuamente?
A resposta se encontra na profundeza da nossa fé. A morte para o cristão segue as pegadas da morte de Cristo : a morte tem aparência de derrota mas é uma vitória e que é essencialmente não-morte pois aponta para a ressurreição final. Como se dará isso, precisamente, não sabemos. Não cabe à pessoa, de forma positivista, medir a imensidade do dom e das promessas de Deus que nos falou através do seu Filho Jesus Cristo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A 4ª Conferência Jaime Wright Na Faculdade 2 de Julho

A Faculdade 2 de Julho, já octogenária, realizou a sua 4ª Conferência Jaime Wright, homenageando os promotores da Paz e dos Direitos Humanos. O Reverendo Wright notabilizou-se no Nordeste e Sul do país como co-promotor do grupo Clamor, na intransigente luta pela defesa dos Direitos Humanos, no auge da ditadura militar e como expoente do Projeto Brasil Nunca Mais, ao lado do Cardeal D. Evaristo Arns, que foi Arcebispo de São Paulo, e que carinhosamente chamava o Pastor de “meu bispo auxiliar”, é o que informa o folder da Conferência. A CESE, Coordenadoria Ecumênica de Serviço, teve na equipe de fundação o mesmo Pastor.
A Fundação 2 de Julho, que engloba o Colégio e a Faculdade, é norteada por princípios ecumênicos e tem como parâmetro uma linha libertária, a preocupação com a justiça, a plena cidadania e o bem comum. Ela se deixa orientar pelo interesse em registrar para as gerações futuras exemplos de vidas dedicadas à construção da paz e da conquista plena dos direitos humanos. Nessa perspectiva, o Conselho de Curadores, acolhendo essa proposta da Faculdade 2 de Julho, resolveu instituir o Prêmio Jaime Wright de Promotores da Paz e Direitos Humanos, a ser conferido a pessoas e instituições de destaque no cenário nacional, na defesa dos Direitos Humanos e na promoção da cultura.
Este ano os premiados foram: Prêmio Personalidade: a advogada Joênia Wapichana recebeu a homenagem pela sua atuação na causa indígena e pela notoriedade internacional em defesa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Prêmio Institucional: André Feitosa Alcântara representou o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo González Olalla (SP), Homenagem Especial: foi para Diva Santana (Grupo Tortura Nunca Mais), de Salvador, pela trajetória de vida e envolvimento na Campanha Memória e Verdade, que trata da anistia, processos de reparação e luta contra a impunidade dos torturadores durante o regime militar.
A Conferência se realizou de 22 a 24 de outubro e teve uma vasta programação. A abertura foi realizada com a presença de Frederico Fernandes, Superintendente de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos, e de Maria Luiza Marcílio, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP. Os dias seguintes foram enriquecidos com a presença de Paulo Carbonari, Conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos e professor de filosofia no Instituto Berthier em Passo Fundo / RS, com o tema “A evolução do Conceito de Direitos Humanos”. A Conferência também contou com a presença de Antonio Carlos Fester, da Comissão Justiça e Paz /SP e de Sérgi Rovira, da Fundacion Cultura de Paz, Espanha, sob o tema “Direitos humanos no Brasil: dilemas e perspectivas”.
Houve um grande enriquecimento com as Mesas Temáticas que trouxeram abordagens de interesse e de atualidade para os estudantes. Os temas foram: Desigualdade Social, Orientação e Discriminação Sexual, Diálogo Interreligioso, Legalidade e Legitimidade, Direito à Informação, Direitos Econômicos, Responsabilidade com a Comunidade, A Evolução dos Direitos da Mulher, Direito ao Trabalho decente, Diversidade Cultural, Acesso aos Serviços Públicos, Meio ambiente, direito à Moradia.
Na Mesa Diálogo Interreligioso, que foi mediada por mim, houve a presença do Pai Pequeno Eldon Tata Kamunguengue, do Terreiro S. Roque no Cabula, que é um Terreiro da linha Angola. Ele apresentou os grandes aspectos que caracterizam os Terreiros dessa tradição, com seus Inquices ( Orixás). E destacou o Mito da Criação que coloca no centro a figura da mulher. Por isso em cada Terreiro dessa linha há uma espirradeira, mas as mulheres são proibidas de tocar nessa planta pois ela é abortiva. E isso é uma proibição do próprio Zambi. Explicou também que o Terreiro está localizado no Bairro do Beiru; esse foi o nome de um escravo ( Beiru ou Quibeiru ) que aqui chegou através do Rio de Janeiro , comprado pelo senhor Hélio Silva Garcia, e que criou um dos primeiros Quilombos da região.
O representante evangélico foi o Pastor Djalma Torres, que é Pós-Graduado em História e Cultura Afro-Descendente, é Presidente do Cepesc, Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão e da Fraternidade de Igrejas Evangélicas do Brasil. Na sua fala destacou que há uma onda fundamentalista no Catolicismo e no Protestantismo, com acentuados recuos no diálogo ecumênico. Também frisou que os grandes teólogos cristãos estão fora das igrejas oficiais. Lembrou Hans Kung com seu livro “Ser cristão”, onde diz que não haverá paz no mundo enquanto não houver paz nas religiões. Também lembrou, a propósito da explosão das Igrejas Neo-Pentecostais, que “a Igreja não é um negócio, algo para se ganhar dinheiro, mas sim um espaço de apoio humano-espiritual e de paz”. Outro aspecto importante lembrado pelo Pastor foi de um erro que acompanha tanto o Catolicismo como o Protestantismo: quando se fala em Teologia, ambos os grupos só pensam no Cristianismo – mas há outras Teologias, como a das Religiões Afras. Ressaltou a importância das religiões não-cristãs no mundo. “Um dos pressupostos do cristianismo”, disse ele, “ é que representa a única religião verdadeira. E onde ficam os valores religiosos da China e da Índia, com suas religiões milenares, onde o cristianismo representa apenas uma parcela ínfima da população?”.
Essa Mesa temática teve uma participação numerosa de estudantes a ponto do horário ser esgotado.
De parabéns a Faculdade 2 de Julho por proporcionar para a comunidade acadêmica mais um evento que dá à Academia a categoria de “Universitas”.

Quatrocentos anos de muita fé.No jubileu da Purificação


Santo Amaro está em festa. A paróquia da Purificação celebra seus quatrocentos anos de criação : 1608 – 2008. A preparação foi feita com muito ardor e devoção. Houve a tradicional novena, com eloqüentes pregadores, grande participação do povo e tudo culminando com os dois dias de festa, o 18 e 19 de outubro. Mas, sobretudo, quem presidiu as festas foi o Senhor do Bonfim, que foi transportado de Salvador e lá permaneceu venerado pelo povo fiel. No último dia, houve a missa solene concelebrada por cerca de 20 padres, e Mons. Walter Pinto presidindo todo o conjunto dos festejos. Mas não podia faltar, no encerramento a palavra do filho dileto daquela cidade, Pe. Sadoc, considerado o “guardião da palavra”, que abrilhantou com seu verbo fácil, eloqüente e devoto, o encerramento dos festejos. Na missa foi oferecida uma cruz a todos os padres presentes. Esse foi um sinal da cruz missionária que circulou naquelas paragens nesses quatro séculos de evangelização. Nela há uma inscrição significativa : ”A missão continua – quatrocentos anos de luz”.
Nesse contexto dos festejos, está sendo lançado um livro do seminarista santamarense Adriano Portela, intitulado : ”Informes históricos da Paróquia de Nossa Senhora da Purificação – Itinerário secular de uma missão”. Nos agradecimentos o jovem escritor agradece aos padres Edílson Bispo Conceição, pároco da infância dele, e Hélio Cezar Leal Vilas-Boas, hoje pároco de Cachoeira, grande incentivador dessa pesquisa.
O sumário contém os principais itens de que a pesquisa trata: 1- a Paróquia da Purificação e o contexto eclesial do período de sua criação; 2- Os padres santamarenses : algumas contribuições da Paróquia à Igreja da Bahia; 3- A devoção mariana no conjunto arquitetônico da matriz da Purificação; 4- A cidade de Santo Amaro e a paróquia da Purificação; 5- Os párocos da Purificação e os seus auxiliares no governo da Paróquia; 6- A Purificação e os seus benfeitores salutares; 7- A ação pastoral da Purificação.
A apresentação é feita pelo Pe. Sadoc que salienta :”A verdade sempre nos libertará, por isso, a pesquisa histórica é muitíssimo benemérita, quando é norteada pela busca da verdade. E, para ser calcada na verdade, importa que o pesquisador coloque, a serviço da verdade, sua mente, seu coração, sua justiça. Gostei e muito aprendi com a leitura dessa pesquisa. Segundo Cícero, a história é mestra da vida, por isso é louvável todo empenho por manter a história viva”.
No prefácio, o pároco, Mons. Walter, além de salientar a importância do percurso histórico que o autor faz, menciona o trabalho pastoral dos seus predecessores:”Fiz um deleitoso passeio pela história desta bonita Paróquia, da sua matriz tão bela, na qual reina majestosa a Senhora da Purificação,cercada por obras de arte de todos os níveis, como também pelo trabalho pastoral desenvolvido por tantos presbíteros, desde o provável primeiro deles, Pe. Antônio Fernandes, até Cônego Hélio Vilas-Boas, meu predecessor. Foi exatamente deste capítulo que mais gostei, pois é sempre do meu interesse o que fizeram, e como escreveram a história, os que vieram antes de mim, no exercício do ministério pastoral”.
A bela matriz, que mais parece uma catedral, teve um percurso. A sede da paróquia da Purificação instalou-se em outras igrejas da cidade. Passou do Engenho de Sergipe até chegar à Praça da Purificação. E tudo se transporta para as origens primeiras no tempo da colônia. A primeira igreja matriz surgiu na sesmaria que pertencera a Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil (1558-1572). Quando essa Paróquia foi criada, a Diocese de Salvador cobria boa parte da colônia portuguesa estabelecida no Brasil, ao lado da Prelazia do Rio de Janeiro, que havia sido desmembrada de Salvador em 1576.
De todos esses momentos históricos, sublinhados pelo livro ora editado, essa comemorações querem nos aproximar.
Não há festa jubilar sem um hino que traduza o sentido, o conteúdo e a beleza das celebrações. A foto da capa do livro da liturgia foi do Pe. Rogério Marcos, pároco da igreja do Rosário. O hino do jubileu coube a Cleusa Maria Cunha, da família do Pe. Sadoc, uma santamarense da gema e que por onde passa, espalha o perfume de sua voz. Por isso, St° Agostinho diz que quem canta reza duas vezes. Seu hino é um convite à oração e ao louvor.

Refrão : “Quatrocentos anos de muito amor. Quatrocentos anos de muita luz. Quatrocentos anos de muita fé. Na purificação da Mãe de Jesus”.
1-“ Purificação de Maria, da mais profunda humildade, lição em todos os tempos ensinando a humildade.
2- Levava Jesus nos braços e apresentou-o no tempo, ela concebida, sem pecado, Ele da santidade o exemplo.
3- O menino esperado Messias, nas mãos frágeis de Simeão, que iluminado o proclamou sinal de contradição.
4- E reservou para Maria antecipados sofrimentos, espada que a faria ser mártir de cada momento.
5- Em terras de Santo Amaro da Purificação, a maior glória é sermos todos escolhidos para construir a sua história.”