sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O Recôncavo é Uma Festa Só.

O Recôncavo é Uma Festa Só.
Das Boas Mortes a S. Bartolomeu de Maragojipe.

shvc@oi.com.br

Sim, as Boas Mortes estão no plural porque estou me referindo às celebrações tradicionais, e já consagradas pela mídia, relacionadas com Cachoeira. Mas há também a Irmandade de S. Gonçalo dos Campos, que não tem ainda visibilidade na imprensa, mas que é realizada com muito empenho dos componentes – lá há a característica da presença de homens e mulheres como integrantes da Irmandade.
O dia principal da festa em Cachoeira, que é o 15 de agosto, começou com a presença do Governador entregando a Igreja da Conceição do Monte à Irmandade. Naquela ocasião, falou o presidente da Irmandade, Isaac Tito, agradecendo a restauração do templo mas solicitando que o trabalho interno de restauração dos altares prossiga, o que foi prometido. Mas para a Missa solene das 10:00h, o governador não pode estar presente – foi representado pelos secretários da Cultura, do Turismo e a nova Secretária da Reparação Racial.
A cidade de Cachoeira está ficando pequena, pois os turistas acorrem até do exterior. Na pregação foi salientado que a devoção a Maria na História da Igreja, não corresponde a um mero sentimentalismo. Mas está no coração da fé dos primeiros dias do cristianismo. Os integrantes da Igreja Primitiva sempre acreditaram que Maria não teve o corpo corrompido como todo mortal. Mas ela teria “adormecido na terra para abrir os olhos no céu”. Assim, há a crença de que ela foi elevada, assunta aos céus. Ela seria a primeira a acompanhar o destino do seu Filho ressuscitado. Há ao lado do Jardim das Oliveiras uma pequena capela chamada da “Dormição”, local que se crê que seria onde ela adormeceu e foi elevada. É curioso que não há na história da Igreja Católica nenhum culto relacionado com as relíquias de Maria – na Idade Média essa devoção cresce de forma quase exagerada, mas não com relação à Mãe de Cristo.
A tradição da teologia católica mostra que o culto em louvor a Maria tem seus fundamentos nos Evangelhos, portanto , na Bíblia. Ela é saudada como a “Ave Maria”, que é a palavra do anjo; depois vem a “bendita entre as mulheres”, louvor que sai da boca de Isabel, mãe de João Batista. Maria fala pouco nos evangelhos, mas o que diz é determinante, como, por exemplo nas Bodas de Cana, ela diz :”Fazei tudo o que Ele vos disser”.
A Boa Morte de Cachoeira traduz e conserva toda essa crença e devoção.
A de S. Gonçalo dos Campos, na visão de muitos, certamente, é fruto da migração da primeira, pois essa cidade foi Distrito de Cachoeira durante muito tempo. O intercâmbio entre as pessoas foi freqüente, e, especialmente, aqueles relacionados à devoção. Lá a missa festiva foi no domingo, 17/08. Há um cortejo que chega à igreja, acompanhado de uma banda musical. As irmãs trazem em procissão uma pequena imagem de Maria no féretro, os livros das atas e uma cruz portada pela Juíza da festa, que esse ano foi a senhora Martina Cazumbá. Essa família é detentora e mantenedora dessa tradição mariana na cidade, tanto que D. Martina é a presidente vitalícia. Conforme a tradição, ela substitui a própria mãe, Maria Tomázia Felícia, que já substituiu a avó, Maria Bilô Felícia. Depois da missa, é servido um grande almoço e todos os que estão na celebração são convidados.
A dimensão do alimento está presente em muitas festas religiosas, seja das tradições católicas como de outras concepções religiosas. No candomblé, isso é uma tônica muito forte, tanto que Raul Lody escreveu o célebre livro intitulado “Santo Também Come”.
Mas o mês de agosto é uma moldura no Recôncavo para uma outra importante festa religiosa. É a celebração de S. Bartolomeu em Maragojipe. Pe. Sadoc diz que “a procissão de lá é a maior do Recôncavo”. De fato, a multidão presente oscila entre 12 e 15 mil participantes. Há uma Irmandade que abriga essa devoção, e que existe desde 1851.
Tudo na cidade cheira a História. Freqüentemente encontramos as datas das casas expostas às portas de entrada das moradias : 1875, 1886, e assim por diante. A cidade foi sede de muitas Irmandades hoje desaparecidas, mas ainda há muitas em pleno funcionamento. A do Santíssimo Sacramento foi fundada em 31/01/1700; a de Nossa Senhora da Conceição é de 1704; a das Almas Benditas é de 1667. A Igreja Matriz foi construída entre os anos de 1630 a 1753. O nome do Patrono, conforme a tradição, foi dado em homenagem ao proprietário da Sesmaria, Bartolomeu Gato.
Nessa cidade, encontrei vestígios da Irmandade da Boa Morte. O professor Cid Teixeira sempre disse que no Recôncavo houve dezenas delas. Conversando com pessoas interessadas na história daquela cidade, descobri duas gravuras. Uma é do final do século XIX, mas a outra é uma litogravura com data de 1879 e que diz :”Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na cidade de Maragojipe”. De fato, cada 15 de agosto, mesmo sem Irmandade, a imagem no sarcófago é colocada no centro da igreja, vestida com muita dignidade, e endossando sapatos de prata. É, até os nossos dias, objeto de veneração dos fiéis.
O povo de Maragojipe, o Pároco Pe. Reginaldo Morais, os paroquianos, estão de parabéns por mais uma festa do Padroeiro que se realizará no próximo domingo.

domingo, 10 de agosto de 2008

Imagística de Cachoeira, Ilá Deleci

shvc@oi.com.br

“ Cidade ponte, Monumento Nacional, visionária, semente de frutos prósperos, berço privilegiado da inteligência, solo fértil de onde emergiram as genialidades como Augusto Teixeira de Freitas, considerado o maior jurisconsulto das Américas; Ana Néri, cognominada de mãe dos brasileiros; Maria Quitéria, heroína da Independência; cidade onde prosperaram significativos movimentos culturais e religiosos, a exemplo da Irmandade da Boa Morte. Sem olvidar que das suas entranhas rompeu, em 25 de junho de 1822, a revolução precursora da Independência, consubstanciada nos atos heróicos que resultaram na vitória alcançada em 2 de Julho de 1823” – é dessa forma, que o professor Josué Melo, Diretor Geral da Faculdade 2 de Julho, faz a apresentação do livro “Imagística de Cachoeira – Ilá Deleci “, que é uma publicação daquela Faculdade e que será lançado na Câmara de Vereadores no próximo dia 14/08/08, às 10:30, semana de celebrações da Festa da Boa Morte (dias 13,14 e 15 de agosto).
Para entender Cachoeira, é importante mergulhar no seu passado. Lá foi o principal centro de redistribuição de escravos na região e permitiu a realimentação com a África – dessa forma, garantiu que as tradições africanas fossem mantidas.
Conhecer Cachoeira é descobrir o que ela representa em termos de significado para a história da Bahia. Claro que há muito por refazer nessa cidade, porem, cada vez mais, ela se torna um canteiro de obras. De um lado, no aspecto físico, na restauração dos seus monumentos, igrejas, sobrados, praças. De outro lado, nos valores que permeiam a sua história – são aspectos a se recuperar.
Ela foi a porta para o sertão , além de ser o acesso na direção das Minas Gerais – tudo passava por lá. Ela diversificou a sua economia, passando do açúcar e indo ao alento do fumo. Também foi líder na guerra da Independência – seu posicionamento tendente ao liberalismo foi marcante. Há traços visíveis na sua história que apontam para a busca do federalismo; seus representantes estavam entre os Alfaiates e, sobretudo, nas lutas abolicionistas. Tudo isso se concentra no 25 de Junho, sua data magna. Por isso mesmo, ela tão bem merece o epíteto de “A Heróica”.
O trabalho que agora é publicado, reproduz textos já publicados na imprensa, onde recorda aspectos da cidade, dos materiais aos imateriais. Seu título quer falar mais do que as imagens já conhecidas. Quer mostrar nuances que pedem uma empatia para serem lidas. “Imagem” é uma palavra por demais conhecida, tão conhecida que já se torna dessacralizada. “Imagística” é uma palavra pede reflexão, convida a uma leitura interiorizada da história da cidade. A capa desse livro é uma homenagem a um desses ícones que tão bem representam essa cultura : Ilá Deleci, no candomblé – Jorlanda Souza, de batismo. Ela é uma rainha negra, que, com sua simplicidade, não deixa de ser uma autoridade. É irmã da Boa Morte e Mãe do Terreiro Ilê Kodedê – e, na palavra de Gil Abelha, que pintou o quadro ilustrativo da capa desse livro, ele a chama de “filha de Ogum”. Ela própria se apresenta no livro e fala de sua trajetória de vida que a faz acumular diversas experiências religiosas. Narra a sua relação, nada feliz, com sua madrasta, pela qual foi “ feita “ no candomblé. “Mas – conta ela – desgostei-me do candomblé e passei a ser evangélica. Mas adoeci. Minha tia Lira disse que aborreci os orixás. E através dela, tudo foi refeito. Daí é que comecei a contar a “ feitura “ de sete anos”.

Muitos dos textos salientam a importância da Irmandade da Boa Morte, que hoje integra, de modo singular, o calendário turístico-religioso do Recôncavo. Suas origens continuam incertas. Mas, de qualquer forma , tudo aponta, em termos de paradigma, para a Barroquinha. O que o professor Cid Teixeira, há anos me contou, parece cada vez mais se confirmar.É que o Recôncavo, até o início do século XX, estava cheio de Irmandades da Boa Morte. Recentemente, os meus alunos da Iniciação Científica da UNEB, descobriram no Arquivo Público, um texto onde se menciona a existência de uma Irmandade da Boa Morte em Santo Amaro. Ora, na igreja do Amparo daquela cidade, há um altar dedicado a essa devoção. É lógica a ligação entre imagem e culto. A imagem não é colocada apenas para ornar um altar, mas reflete uma devoção com o seu respectivo culto. Também em Maragojipe, descobri uma litogravura de 1879 com a inscrição:”Nossa Senhora da Boa Morte, que se venera na cidade de Maragojipe”. Também lá descobri uma gravura, certamente do início do século XX, com a inscrição em italiano:”Sepolcro di Maria”. Na igreja matriz de S. Bartolomeu, naquela cidade, há uma imagem de Nossa Senhora da Boa Morte. Em cada 15 de agosto, ela é exposta, reverenciada pelos fiéis – essa imagem tem até sapatos de prata usados naquela ocasião.
Mas não podemos nos esquecer que Cachoeira conserva raízes, é uma proto - história, que nos dá base para a dupla pertença sincrética. Será que sob o manto da Boa Morte, as primeiras integrantes esconderam seus cultos ancestrais, sobretudo aqueles relacionados com os mortos, naturalmente coibidos pela sociedade dominante daquela ocasião?
Há uma ancestralidade milenar que a devoção a Maria encerra e que se atualiza no culto da Boa Morte. Nesse sentido, concordo com o professor Ubiratan de Castro, que num seminário em Cachoeira, afirmou que “essa Irmandade só podia vingar aqui em Cachoeira”. Foi nessa cultura que a dupla pertença – o sincretismo – foi gestada. A partir daí, a negociação foi lançada. O escravizado percebeu que sem a religião do branco era impossível não negociar com os santos. A nova situação na qual o africano escravizado estava envolvido, implicava num conflito. Ora, todo conflito implica em aspectos de negociação. E o desfecho não é a vitória de um sobre o outro. Mas, ao contrário,é o de repor uma situação. Na sociedade atual, vemos, como resultado dessa negociação histórica, as Cotas para afro-descendentes, a criação das Secretarias da Reparação Racial. A luta não é para destruir, mas para ter reconhecidos os direitos. Cachoeira foi um cenário “natural”, isto é, teve um contexto histórico que permitiu a negociação, gerando, portanto, uma dupla pertença.
A cidade mantém outras Irmandades importantes, como a da Conceição do Monte. Por trás de muitas igrejas há, às vezes, um relato mítico que ultrapassa o controle da história e, em alguns casos, se confunde com a estória. A igreja da Conceição do Monte preenche esse recorte. Essa igreja está com a reforma quase concluída. A restauração trouxe surpresas. Quando as paredes da nave começaram a ser reformadas, descobriu-se pinturas de grande valor e que estão sendo restauradas com grande maestria – a contra-capa do livro quer privilegiar essa descoberta.
Sebastião Heber. Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu.
(Lançamento do livro “Imagística de Cachoeira – Ilá Deleci”, dia14/08 às 10:30 na Câmara de Vereadores de Cachoeira. Depois estará à venda na Livraria LDM, da Direita da Piedade).

É tempo de festa em Cachoeira, É tempo de Boa Morte

shvc@oi.com.br
Nos próximos dias 13, 14 e 15 de agosto, a cidade de Cachoeira estará celebrando a quase bicentenária festa da Boa Morte. Nessa ocasião estarei recebendo o título de cidadão cachoeirano, na Câmara de Vereadores às 10:30. Simultaneamente, será lançado o livro “Imagística de Cachoeira-Ilá Deleci”. Trata-se de uma publicação que é somatório de vários artigos que escrevi nessa coluna, sobre a referida cidade, sua característica cultural, e, sobretudo, sobre a Boa Morte. Na capa há uma homenagem à Ilá Deleci, membro daquela Irmandade e Ialorixá do terreiro Ilê Kodedê. É uma pintura do artista Gil Abelha que quis homenagear essa ilustre cachoeirana e a chama, na dedicatória que lhe faz, de “ Filha de Ogum”.
Desde que cheguei à Bahia, Cachoeira exerceu uma forte atração em mim, exatamente por representar um centro de interesse histórico e cultural marcante no Recôncavo Baiano.
Cada vez que venho a essa cidade, aprendo, descubro e vejo que ela representa um potencial em termos de importância para a história da Bahia e do Brasil. Claro que há muito por refazer nessa cidade, porem, cada vez mais, ela se torna um canteiro de obras. De um lado, no aspecto da restauração dos seus monumentos, igrejas, sobrados, praças. De outro lado, nos valores que permeiam a sua história – são valores a se recuperar..
A cidade mantém outras Irmandades importantes, como a da Conceição do Monte. Por trás de muitas igrejas há, às vezes, um relato mítico que ultrapassa o controle da história e, em alguns casos, se confunde com a estória. A igreja da Conceição do Monte preenche esse recorte. Essa igreja está com a reforma quase concluída. A restauração trouxe surpresas. Quando as paredes da nave começaram a ser reformadas, foram descobertas pinturas de grande valor do século XVIII e que estão sendo restauradas com grande maestria.
Em Belém de Cachoeira, na igreja-seminário do Santo Frei Galvão, foi realizado um seminário com a idéia central de pensar e velar o patrimônio que circunda essa cidade, despertando nos seus habitantes esse interesse e até suscitando um orgulho por serem detentores de tantas riquezas. Isso está registrado nesse livro.
Também recordo uma visita que fiz à Gaiaku Luiza, a grande Mãe Jêje da região. Lembro-me que antes de ter acesso ao recinto, a Ekede Preta “limpou” o meu corpo e dos demais acompanhantes com as folhas sagradas, para “tirar a energia negativa de quem vinha da rua” e, assim, nos preparar para entrar naquele lugar sagrado.
E comento no livro vários aspectos das festas da cidade. Em “Louvores a Nossa senhora da Ajuda”, retomo a importância daquele templo que é a pedra-fundamental da cidade. Soma-se à festa um profano imbricado no sagrado. Os dois elementos se polarizam e se fundem. Muitos viajantes, no século XIX, como Tollenare e o Príncipe Maximiliano, espantaram-se com essas representações “quase carnavalescas”.
Recordo a festa dos Santos Cosme e Damião com a missa na Ajuda. Naquele ano 2007, os juízes foram Samir Adson e Adson Samir – o trocadilho dos nomes já mostra a origem gêmea deles. São sobrinhos do professor Adilsom Gomes. Aqui houve um terreno favorável ao desenvolvimento dessa devoção, revestida de uma crença ancestral. Por isso, na Bahia, não se pode deixar de participar do caruru dos gêmeos.
Retomo alguns elementos do livro publicado em agosto de 2007: “Das Memórias de Filhinha às Litogravuras de Maragojipe”, que teve como prefaciadora a ilustre Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do qual sou membro, Consuelo Pondé de Sena. Lá o centro das atenções gravita em torna desse ícone sagrado que já está completando seus 105 vigorosos anos. É Filhinha, nascida sob a proteção de Maria, por isso se chama Narcisa Cândida da Conceição. O livro é fruto de uma “escuta sensível”. Ela é uma memória viva da cidade, da Boa Morte, da cultura cachoeirana. Sua reminiscência pessoal, não é fechada em si, mas é uma narração viva da vocação da cidade, com suas tradições vivenciadas em múltiplos momentos, sobretudo nela, no testemunho de vida que ela dá.
Será que sob o manto da Boa Morte, as primeiras integrantes esconderam seus cultos ancestrais, sobretudo aqueles relacionados com os mortos, naturalmente coibidos pela sociedade dominante daquela ocasião? Essa Irmandade constitui-se num desafio à pesquisa dos estudiosos que têm nela um manancial, um acúmulo de tradições ainda por serem desveladas e desvendadas.
Vejo Salvador como um grande santuário que abriga muitas tradições religiosas: desde o Senhor do Bonfim até os candomblés mais “clássicos”. Mas não podemos nos esquecer que Cachoeira conserva raízes, uma proto - história, que nos dá base para a dupla pertença sincrética. Tudo isso se conserva em Cachoeira, e as irmãs da Boa Morte são as detentoras dessa verdade-crença.
O livro contém uma apresentação da própria Ilá Deleci. E é ela quem fala de si : “Em Cachoeira organizei o meu terreiro, construí uma capela dedicada a Santo Antônio, e registrei tudo em 1982. Sou conhecida como Ilá Deleci, ou simplesmente Deleci, mas no batismo tenho o nome de Jorlanda. No ‘Roncó’ a gente é como freira, isto é, tem que trocar de nome. É o orixá que me deu esse nome novo. Quando eu morrer, Papai do Céu vai, lá em cima, me chamar pelos dois nomes. A abertura do meu Terreiro foi uma verdadeira romaria. Recebi o ‘Ibá’, a herança de minha mãe-de-santo”.

UM ENCONTRO COM VIEIRA

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A Comissão do 3° Centenário da Morte do Padre Antônio Vieira preparou um volume especial para a celebração desse evento e que tem esse título : “Um Encontro com Vieira”. A edição foi preparada com o objetivo de fornecer aos seus irmãos jesuítas da Bahia e do Brasil, alguns dados , uma vez que nem todos teriam a oportunidade de ler obras mais extensas e profundas. São clássicos, nesse tema, as obras de André de Barros, que é o primeiro biógrafo – Vida do apostólico Pe. Vieira - , a de João Lúcio de Azevedo – História da Companhia de Jesus no Brasil – e a obra do famoso Pe. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil.
O livro citado organizou a história de Vieira em cinco períodos, que abarcam essa vida longeva, o que era raro no seu tempo : Formação, Diplomata na Corte de Portugal, Missionário, Inquisição e Últimos Anos na Bahia.
Ele nasce em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 – é o primogênito de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria de Azevedo. É batizado na igreja da Sé em Lisboa, tendo como padrinho o Conde de Unhão D. Fernão Teles de Menezes. Ainda criança, seus pais partem para o Brasil, vindo habitar em Salvador. Inicialmente, a família se instala na Rua da Gameleira. Mais tarde, eles se deslocam para fora das Portas de S. Bento. Como toda criança de sua condição, ele recebe os cuidados da educação materna, mas freqüenta as aulas formais de Gramática e Humanidades no Colégio dos Padres no Terreiro de Jesus; é nessa ocasião que se dá o famoso “ estalo”, quando estava rezando diante de Nossa Senhora das Maravilhas na igreja da Sé.
Em 1623, ouvindo uma pregação do Pe. Manuel de Couto, sente-se atraído por aquele gênero de vida. E, de fato, é o que acontece : “Me resolvi a ser religioso passando junto à igreja de Nossa Senhora da Ajuda”, pois era o caminha que fazia da casa para o Colégio. No mesmo ano ele começa o noviciado, sob a orientação do reitor, Pe. Fernão Cardim.
Ele testemunha a chegada da Armada Holandesa que se apodera de Salvador. Por isso, o noviciado se transfere para S. João da Mata. Um pouco antes da saída dos holandeses, em 1625, ele emite os primeiros votos. Mas faz também um voto particular :”De idade de dezessete anos fiz voto de gastar toda a vida na conversão dos gentios e doutrinar aos novamente convertidos, e para isso me apliquei às duas línguas do Brasil e Angola”.
Mesmo antes de ser ordenado padre, ele já exerce a função de professor. Em Olinda, Pernambuco, ensina Humanidades e Retórica. Mas volta à Bahia onde faz seus estudos de filosofia e teologia. Porem, antes de ser diácono, estréia sua oratória na Conceição da Praia, em 1633, no 4° domingo da Quaresma Mas no mesmo ano, em 1634, celebra a primeira Missa no dia de Santa Luzia..A partir daí, sua vida de pregador deixa marcas indeléveis: em 1638 faz o sermão gratulatório pela vitória contra os holandeses, que tentaram invadir a cidade sob o comando do Conde Maurício de Nassau. Em 1640, na igreja da Ajuda, faz o famoso Sermão pelo sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda. Quando chega o novo Governador , o Marquês de Montalvão, é ele o pregador.
A vida de Vieira foi um périplo, que reflete seu espírito missionário, de pregador e de homem que representa a cultura do seu tempo.
O seu último período, de 1681 a 1697, foi aqui na Bahia. Mas já estava desiludido. Faz parte do Colégio do Salvador, porem, a maior parte do tempo, permanece na Quinta do Tanque, casa de campo do mesmo Colégio Em 1688 o Padre. Geral, Pe. Tirso Gonzalez, o nomeou Visitador Geral do Brasil e Maranhão, mas sem necessidade de sair da Bahia. Vieira assumiu esse encargo em 15 de maio de 1688 e se transferiu para o Colégio. Quando estava na Quinta do Tanque, dedica-se à publicação das suas obras. É com sua presença aqui, que S. Francisco Xavier se torna Padroeiro da Cidade. Houve uma epidemia de febre amarela. Mais de cem dos membros do Colégio, foram atingidos por esse mal. Sobraram quatro, incluindo Vieira. A Câmara fez a promessa ao Santo Patrono para livrar a cidade dessa desgraça. E alcançou a promessa.
Nesse ínterim, os seus Sermões são publicados em Lisboa – em 1690 é publicado mais uma edição sob o título “Palavra de Deus Empenhada”. E, na mesma ocasião, o que era inusitado para a época, foi publicado em Puebla de Los Angeles, México, uma Carta, chamada “Atenagórica”, de uma freira poetisa, sobre um dos seus Sermões – “orador grande entre los mayores”, diz ela. É importante sublinhar que em muitas missões realizadas , como a dos Cariris, na Bahia, tudo foi “patrocinado” com o resultado da venda dos seus livros. Sua última carta,dentre as 800 que escreveu, é de 12/07/1696, e foi dirigida ao Padre Geral da Ordem.. Em 18/071697, de forma tranqüila, ele falece. O Ofício Fúnebre foi realizado na Sé pelos Cônegos, mas é sepultado na igreja do Colégio. Mas não se sabe onde estão os seus restos mortais.