segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pe. Sadoc, 67 anos de sacerdócio O Lampião do Seminário

Para alguns pode parecer longíncuo o ano de 1941, mas para Pe. Sadoc ele está muito próximo à sua história, à sua vocação, à sua vida. Foi no dia 30 de novembro daquele ano que foi ordenado padre pelo Cardeal D. Augusto na Igreja Catedral do Terreiro de Jesus. Já não mais existia a primeira igreja, da Praça da Sé, que ele frequentara como seminarista nos grandes dias de festa, sobretudo na Semana Santa, aquela igreja, mãe de todas as igrejas do Brasil. Os motivos da sua destruição, todos sabem mas não entendem e nem perdoam, sobretudo ele, o festejado, que alem de ser professor de história, é símbolo da história da Bahia.
Ele conserva vívidas lembranças do dia de sua ordenação. Quando terminou a celebração na Catedral, todos se dirigiram para Seminário de Santa Tereza. O refeitório estava ornado de flores, sobretudo o seu lugar. Quanto se dirigiu para o seu quarto ( naquele tempo chamava-se “cela”), lá também havia flores à porta. Do tempo de Seminário ele relata os bons e maus momentos. No livro que comemora os seus 90 anos – Pe. Sadoc, 90 anos, Pároco, Orador e Amigo – ele descreve em minúcias a sua relação com os seus colegas e diretores. Mas ainda está bem presente nas suas recordações o Pe. Luis Negreiros, diretor super-severo, quando ele ainda era seminarista menor, adolescente dos seus 14 anos. Um dia esse diretor , na frente de todos, começou a dizer que no seminário havia um bando de Lampião, que na época estava em plena atividade. E começou a descrever um a um associando-os a algum cangaceiro do bando de Lampião. E o seminarista Gaspar ficou curioso, pois seu nome não fora proclamado. Mas no final do relato, o diretor, solenemente e dando uma ênfase especial, diz que agora é a vez de anunciar o chefe do bando, o próprio Lampião que é Gaspar Sadoc. Apesar do clima de tensão e austeridade, todos os seminaristas estouraram numa grande gargalhada.
Mas o anúncio não ficou por aí. Havia um costume disciplinar, naquele tempo, de castigar os seminaristas deixando-os horas a fio em pé recostados numa das colunas do claustro, sem poder falar com ninguém, enquanto o diretor inspecionava girando de um lado a outro. Foi esse o destino de “Lampião” e do seu “bando”. Mas ele não tem mágoas, relembra tudo isso rindo muito da falta de imaginação, de pedagogia e de espírito pastoral de muitos formadores do seu tempo.
A grande verdade da vida sacerdotal de Pe. Sadoc ( é assim que ele gosta de ser chamado, pois tem o título honorífico de Monsenhor, e afirma que nunca assinou o nome dessa forma), é que sua vida foi sempre um dom, um serviço para todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes, brancos, negros, morenos, amarelos e vermelhos.
Quem convive mais de perto dele, vê e sabe como trata os pobres. As nossas esmolas de cinquenta centavos, um real, ele as dá de dez, vinte, trinta. Há amigos que reagem dizendo que aquela pessoa é drogada, mas ele responde dizendo:”Ele me pediu dinheiro para comida ou para remédio, se vai usar de outra forma, ele que responda diante de Deus”.
A sua sensibilidade sempre foi grande pois é um homem ligado à natureza. Quando ainda estava em S. Cosme e Damião, apareceu na casa dele um cachorro, que ele chamou de Granfino – mas foi o cão que adotou o Pe. Sadoc. Esse o acompanhava em tudo, até nas confissões dos doentes. Ele mesmo conta que havia momentos em que o cachorro ia mexer nas panelas das casas visitadas. Um dia apareceu com uma espécie de derrame. Pacientemente ele cuidou dele – e um dia, repentinamente, ele desapareceu.
Dr. Flávio de Paula, fiel membro da Paróquia da Vitória , no seu livro “Sonhos e Realidades – crônicas e poesias”, relata num artigo intitulado “Tico, o amigo de fé”, que é a história de um passarinho , um tico-tico, que também “adotou” Pe. Sadoc, na casa paroquial da Vitória. Diz o autor:”O pequenino pássaro tem plumagem multicolorida, uma vivacidade fora do comum e temperamento de quem gosta de fazer boas amizades. Seu habitat são as árvores do terreno vizinho e de lá, sempre vigilante, acompanha todos os passos do bom amigo. Basta Pe. Sadoc entrar na sala para que ele apareça na janela, saltitante, cantarolando alguma coisa. É bem provável que, na sua linguagem, esteja dizendo:Paz e Bem”.
E esse passarinho tornou-se íntimo a ponto de, estando o dono da casa à mesa, ele mexer em todos os pratos indo até um frasco de mel que lhe era reservado. O articulista relembra que na festa dos 50 anos de sacerdócio, havia um belo bolo confeitado. Tico não se deu por rogado, pulou para cima do bolo, ciscou, lambuzou-se todo de glacê. Certamente ele pensou : se era do amigo, também ele tinha direito.
Na sua casa, ao lado do Costa Pinto, há alguns pássaros cantores e muitos outros que vivem lá saboreando o alpiste que o dono da casa coloca para os seus amigos.
Estamos receosos que no almoço que o amigo Claudelino Miranda vai oferecer ao homenageado, no Hotel da Bahia, apareça uma revoada de pássaros e, talvez, até alguns cães, para participarem da comemoração.

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