Ele conserva vívidas lembranças do dia de sua ordenação. Quando terminou a celebração na Catedral, todos se dirigiram para Seminário de Santa Tereza. O refeitório estava ornado de flores, sobretudo o seu lugar. Quanto se dirigiu para o seu quarto ( naquele tempo chamava-se “cela”), lá também havia flores à porta. Do tempo de Seminário ele relata os bons e maus momentos. No livro que comemora os seus 90 anos – Pe. Sadoc, 90 anos, Pároco, Orador e Amigo – ele descreve em minúcias a sua relação com os seus colegas e diretores. Mas ainda está bem presente nas suas recordações o Pe. Luis Negreiros, diretor super-severo, quando ele ainda era seminarista menor, adolescente dos seus 14 anos. Um dia esse diretor , na frente de todos, começou a dizer que no seminário havia um bando de Lampião, que na época estava em plena atividade. E começou a descrever um a um associando-os a algum cangaceiro do bando de Lampião. E o seminarista Gaspar ficou curioso, pois seu nome não fora proclamado. Mas no final do relato, o diretor, solenemente e dando uma ênfase especial, diz que agora é a vez de anunciar o chefe do bando, o próprio Lampião que é Gaspar Sadoc. Apesar do clima de tensão e austeridade, todos os seminaristas estouraram numa grande gargalhada.
Mas o anúncio não ficou por aí. Havia um costume disciplinar, naquele tempo, de castigar os seminaristas deixando-os horas a fio em pé recostados numa das colunas do claustro, sem poder falar com ninguém, enquanto o diretor inspecionava girando de um lado a outro. Foi esse o destino de “Lampião” e do seu “bando”. Mas ele não tem mágoas, relembra tudo isso rindo muito da falta de imaginação, de pedagogia e de espírito pastoral de muitos formadores do seu tempo.
A grande verdade da vida sacerdotal de Pe. Sadoc ( é assim que ele gosta de ser chamado, pois tem o título honorífico de Monsenhor, e afirma que nunca assinou o nome dessa forma), é que sua vida foi sempre um dom, um serviço para todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes, brancos, negros, morenos, amarelos e vermelhos.
Quem convive mais de perto dele, vê e sabe como trata os pobres. As nossas esmolas de cinquenta centavos, um real, ele as dá de dez, vinte, trinta. Há amigos que reagem dizendo que aquela pessoa é drogada, mas ele responde dizendo:”Ele me pediu dinheiro para comida ou para remédio, se vai usar de outra forma, ele que responda diante de Deus”.
A sua sensibilidade sempre foi grande pois é um homem ligado à natureza. Quando ainda estava em S. Cosme e Damião, apareceu na casa dele um cachorro, que ele chamou de Granfino – mas foi o cão que adotou o Pe. Sadoc. Esse o acompanhava em tudo, até nas confissões dos doentes. Ele mesmo conta que havia momentos em que o cachorro ia mexer nas panelas das casas visitadas. Um dia apareceu com uma espécie de derrame. Pacientemente ele cuidou dele – e um dia, repentinamente, ele desapareceu.
Dr. Flávio de Paula, fiel membro da Paróquia da Vitória , no seu livro “Sonhos e Realidades – crônicas e poesias”, relata num artigo intitulado “Tico, o amigo de fé”, que é a história de um passarinho , um tico-tico, que também “adotou” Pe. Sadoc, na casa paroquial da Vitória. Diz o autor:”O pequenino pássaro tem plumagem multicolorida, uma vivacidade fora do comum e temperamento de quem gosta de fazer boas amizades. Seu habitat são as árvores do terreno vizinho e de lá, sempre vigilante, acompanha todos os passos do bom amigo. Basta Pe. Sadoc entrar na sala para que ele apareça na janela, saltitante, cantarolando alguma coisa. É bem provável que, na sua linguagem, esteja dizendo:Paz e Bem”.
E esse passarinho tornou-se íntimo a ponto de, estando o dono da casa à mesa, ele mexer em todos os pratos indo até um frasco de mel que lhe era reservado. O articulista relembra que na festa dos 50 anos de sacerdócio, havia um belo bolo confeitado. Tico não se deu por rogado, pulou para cima do bolo, ciscou, lambuzou-se todo de glacê. Certamente ele pensou : se era do amigo, também ele tinha direito.
Na sua casa, ao lado do Costa Pinto, há alguns pássaros cantores e muitos outros que vivem lá saboreando o alpiste que o dono da casa coloca para os seus amigos.
Estamos receosos que no almoço que o amigo Claudelino Miranda vai oferecer ao homenageado, no Hotel da Bahia, apareça uma revoada de pássaros e, talvez, até alguns cães, para participarem da comemoração.
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