domingo, 30 de novembro de 2008

UM ADVENTO ESPECIAL NA IGREJA DA VITORIA

O Advento é o grande tema de preparação para a festa do Natal. São quatro domingos marcados por essa tônica. Como a Quaresma, que tem cinco domingos como preparação para a Páscoa, o Advento constitui um dos pólos mais importantes do ciclo litúrgico. Natal e Páscoa se encontram e se completam - não há um sem o outro. Ele simboliza a longa caminhada do povo eleito na expectativa do Senhor, de sua vinda. E aí há muitas vindas que se imbricam: a vinda do Messias prometido, a volta do Senhor que muitas comunidades da Igreja dos primeiros séculos esperavam de forma imediata. S. Paulo nas suas epístolas, critica a passividade de alguns grupos que não queriam se engajar na sociedade esperando “o retorno do Senhor”, isto é, ficavam na expectativa “do fim do mundo”. E esse tempo do Advento, na perspectiva cristã, é muito rico. Nesse primeiro domingo a palavra de ordem é “vigiar para que no retorno do Senhor não estejamos dormindo”. Dormir é ficar parado, é não ficar atento à História que passa, é não querer entrar nela e construí-la. A liturgia faz esse apelo para que todos possam perceber Cristo retornando à História dos nossos dias e resgatando dignidades perdidas, através do engajamento de cada cristão.
Pois bem, essa celebração na igreja da Vitória foi marcada com a coincidência do aniversário de ordenação do Pe. Sadoc – são 67 anos de dedicação à Igreja e de serviços aos irmãos. Na missa ele relembrou a trajetória do seu trabalho sacerdotal, começando em S. Cosme e Damião, na Liberdade. “Comecei lá, num bairro sem água, sem esgoto, em alguns lugares não havia luz. Nem igreja havia. Celebrava a missa no terraço de uma casa de família. Depois de alguns anos fui mandado para S. Judas Tadeu. Lá construí a igreja matriz. Um dia D. Eugênio me mandou para a Vitória. Chegando lá, encontrei uma igreja e uma paróquia com tudo desordenado. Na minha posse havia umas dez pessoas. Quem me ajudou foi o governador Luis Viana, que de imediato mandou seu secretário. E logo a igreja foi restaurada”. Dessa forma, ele mostrou como se sentiu feliz em cada uma delas, cada uma diferente, mas que todas deixaram marcas no seu coração.
Na missa houve uma homenagem da paroquiana Lígia Fialho com um “Louvor ao bom pastor”. Assim ela o saudou: “Há pessoas preocupadas com seus problemas e buscam encontrar sempre o melhor sistema para solucionar a dificuldade dos irmãos. Pe. Sadoc é o amigo que em qualquer ocasião está atento às nossas carências – e com imensa alegria vai ouvindo o que lhe dizem em confissão. Em sua mesa nunca falta o bolo, o pão, para os que chegam à sua casa acolhedora. Sua palavra tão humana, é portadora de zelo, de carinho, de cuidado. Discretamente se mantém ao lado, para,assim, repartir sua imensa sabedoria. E é com a maior das alegrias que louvo hoje a esse grande amigo. Ele é um bom pastor que está sempre atento à nossa dor”.
O almoço, no Hotel da Bahia, organizado por Claudelino Miranda,que o cognominou de “Arcipreste”, isto é, o primeiros dentre os sacerdotes, e contou com grande número de amigos: Dr. Edivaldo Brito, o novo Vice-Prefeito, o Comandante Geral da Polícia ,Cel. Nilton Mascarenhas e esposa, o Bispo-Auxiliar, D. Petrini, muitos irmãos sacerdotes, Dr. Valter Pinheiro ( A Tribuna), Prof. José Nilton, Presidente da Mater Salvatoris. Representando o clero, falou o Cônego Edson Menezes, Reitor do Santuário do Bonfim:” Pe. Sadoc é aquele que sente compaixão de todos os que necessitam de ajuda. Cuida dos padres, de qualquer padre, porque todos são seus irmãos. Não mede distância para resolver suas dificuldades. Ele tem a casa sempre aberta, sua mesa está sempre posta. Sua pregação é remédio para os doentes, alimento para o povo de Deus. Carrega as ovelhas mais necessitadas no seu coração. É um servidor, encontra sempre espaço na sua agenda. Ele é alguém que, pacientemente, fala sempre com o coração. Dos seus lábios nunca sai um não”. Foi também lida uma mensagem do Pe. Sílvio Lima;”Pe. Sadoc já faz parte do patrimônio histórico e cultural da Bahia.A Igreja da Bahia sente-se feliz e transborda de alegria ao celebrar o seu sacerdócio Que o senhor continue sempre a ser fiel à Igreja. Ad multos annos, que viva muitos anos”.
Concluindo a série de discursos, o homenageado ainda acrescentou:”Só aceito festa feita pelo coração. Abraço a todos que aqui estão Estou vindo do Senhor do Bonfim, onde hoje lá está a imagem da Purificação, a Mãe da minha terra, a Mãe do Recôncavo Baiano”. E ainda agradeceu ao organizador da festa que reuniu a todos ali:” Miranda faz festa que a História guarda no coração da gente”. E concluiu: “Sou padre por causa de vocês, o rebanho que o Senhor me deu”.

Sebastião Heber Vieira Costa. Prof. Adjunto de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris, do IGHB e do Instituto de Genealogia da Bahia.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pe. Sadoc, 67 anos de sacerdócio O Lampião do Seminário

Para alguns pode parecer longíncuo o ano de 1941, mas para Pe. Sadoc ele está muito próximo à sua história, à sua vocação, à sua vida. Foi no dia 30 de novembro daquele ano que foi ordenado padre pelo Cardeal D. Augusto na Igreja Catedral do Terreiro de Jesus. Já não mais existia a primeira igreja, da Praça da Sé, que ele frequentara como seminarista nos grandes dias de festa, sobretudo na Semana Santa, aquela igreja, mãe de todas as igrejas do Brasil. Os motivos da sua destruição, todos sabem mas não entendem e nem perdoam, sobretudo ele, o festejado, que alem de ser professor de história, é símbolo da história da Bahia.
Ele conserva vívidas lembranças do dia de sua ordenação. Quando terminou a celebração na Catedral, todos se dirigiram para Seminário de Santa Tereza. O refeitório estava ornado de flores, sobretudo o seu lugar. Quanto se dirigiu para o seu quarto ( naquele tempo chamava-se “cela”), lá também havia flores à porta. Do tempo de Seminário ele relata os bons e maus momentos. No livro que comemora os seus 90 anos – Pe. Sadoc, 90 anos, Pároco, Orador e Amigo – ele descreve em minúcias a sua relação com os seus colegas e diretores. Mas ainda está bem presente nas suas recordações o Pe. Luis Negreiros, diretor super-severo, quando ele ainda era seminarista menor, adolescente dos seus 14 anos. Um dia esse diretor , na frente de todos, começou a dizer que no seminário havia um bando de Lampião, que na época estava em plena atividade. E começou a descrever um a um associando-os a algum cangaceiro do bando de Lampião. E o seminarista Gaspar ficou curioso, pois seu nome não fora proclamado. Mas no final do relato, o diretor, solenemente e dando uma ênfase especial, diz que agora é a vez de anunciar o chefe do bando, o próprio Lampião que é Gaspar Sadoc. Apesar do clima de tensão e austeridade, todos os seminaristas estouraram numa grande gargalhada.
Mas o anúncio não ficou por aí. Havia um costume disciplinar, naquele tempo, de castigar os seminaristas deixando-os horas a fio em pé recostados numa das colunas do claustro, sem poder falar com ninguém, enquanto o diretor inspecionava girando de um lado a outro. Foi esse o destino de “Lampião” e do seu “bando”. Mas ele não tem mágoas, relembra tudo isso rindo muito da falta de imaginação, de pedagogia e de espírito pastoral de muitos formadores do seu tempo.
A grande verdade da vida sacerdotal de Pe. Sadoc ( é assim que ele gosta de ser chamado, pois tem o título honorífico de Monsenhor, e afirma que nunca assinou o nome dessa forma), é que sua vida foi sempre um dom, um serviço para todos, católicos e não católicos, crentes e não crentes, brancos, negros, morenos, amarelos e vermelhos.
Quem convive mais de perto dele, vê e sabe como trata os pobres. As nossas esmolas de cinquenta centavos, um real, ele as dá de dez, vinte, trinta. Há amigos que reagem dizendo que aquela pessoa é drogada, mas ele responde dizendo:”Ele me pediu dinheiro para comida ou para remédio, se vai usar de outra forma, ele que responda diante de Deus”.
A sua sensibilidade sempre foi grande pois é um homem ligado à natureza. Quando ainda estava em S. Cosme e Damião, apareceu na casa dele um cachorro, que ele chamou de Granfino – mas foi o cão que adotou o Pe. Sadoc. Esse o acompanhava em tudo, até nas confissões dos doentes. Ele mesmo conta que havia momentos em que o cachorro ia mexer nas panelas das casas visitadas. Um dia apareceu com uma espécie de derrame. Pacientemente ele cuidou dele – e um dia, repentinamente, ele desapareceu.
Dr. Flávio de Paula, fiel membro da Paróquia da Vitória , no seu livro “Sonhos e Realidades – crônicas e poesias”, relata num artigo intitulado “Tico, o amigo de fé”, que é a história de um passarinho , um tico-tico, que também “adotou” Pe. Sadoc, na casa paroquial da Vitória. Diz o autor:”O pequenino pássaro tem plumagem multicolorida, uma vivacidade fora do comum e temperamento de quem gosta de fazer boas amizades. Seu habitat são as árvores do terreno vizinho e de lá, sempre vigilante, acompanha todos os passos do bom amigo. Basta Pe. Sadoc entrar na sala para que ele apareça na janela, saltitante, cantarolando alguma coisa. É bem provável que, na sua linguagem, esteja dizendo:Paz e Bem”.
E esse passarinho tornou-se íntimo a ponto de, estando o dono da casa à mesa, ele mexer em todos os pratos indo até um frasco de mel que lhe era reservado. O articulista relembra que na festa dos 50 anos de sacerdócio, havia um belo bolo confeitado. Tico não se deu por rogado, pulou para cima do bolo, ciscou, lambuzou-se todo de glacê. Certamente ele pensou : se era do amigo, também ele tinha direito.
Na sua casa, ao lado do Costa Pinto, há alguns pássaros cantores e muitos outros que vivem lá saboreando o alpiste que o dono da casa coloca para os seus amigos.
Estamos receosos que no almoço que o amigo Claudelino Miranda vai oferecer ao homenageado, no Hotel da Bahia, apareça uma revoada de pássaros e, talvez, até alguns cães, para participarem da comemoração.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vida após a morte Ciência e Religião

O Dia de Finados trouxe uma mobilização inevitável pois todo mundo tem algum ente querido a quem recordar nesse dia. A compra de flores, as celebrações da missa se multiplicaram, especialmente nos cemitérios e as visitas aos túmulos.
E a morte é sempre um mistério, para crentes e não crentes. E as religiões reservam ritos e orações especiais para esse momento. Para o cristianismo nascente, as celebrações litúrgicas se desenvolviam nas catacumbas, cemitérios pagãos cedidos para abrigar os cristãos e onde a memória dos mártires era cultivada através do ágape eucarístico.
A comemoração dos fiéis falecidos teve uma expansão a partir da Abadia de Cluny, na França, no século X, ocupando um grande lugar na devoção cristã, chegando ao ponto do Papa Bento XV ( durante a 1ª Guerra) conceder aos sacerdotes católicos o privilégio de poderem celebrar três missas nessa dia, em sufrágio dos mortos.
Independente de crença religiosa, a pessoa humana tem sempre uma interrogação básica, que a própria filosofia natural coloca ao ser pensante : quem eu sou, de onde vim , para onde vou?
Há na pessoa um impulso para o ter que, normalmente, neurotiza a todos e a sociedade. A grande verdade, é que nunca achamos que temos o suficiente. Vivemos voltados para um contínuo amanhã, do qual esperamos sempre mais: mais amor, mais felicidade, mais bem-estar, mais tudo ... Vivemos impelidos pela esperança. Mas no fundo dessa nossa dinâmica de vida e esperança, se oculta, sempre à espreita, o pensamento da morte, um pensamento ao qual não nos habituamos e que sempre queremos afastar. No entanto, a morte é a companheira de toda nossa existência; despedidas e doenças, dores e desilusões são dela sinais a nos advertir.
Mas a morte tem também uma abordagem da ciência e talvez seja o mistério não resolvido da ciência e o mais impenetrável da história da humanidade.
O jornal A Tarde analisou no dia dos mortos num artigo – Vida após a morte – as experiências de pacientes em UTI que descrevem o que sentiam após a parada cardíaca. E nesse sentido, cita o estudo relatado no livro “O que acontece quando morremos”, do médico Sam Parnia, recentemente lançado pela editora Larousse. Essa é mais uma tentativa de chegar mais pero do enigma através de uma minuciosa pesquisa sobre a quase-morte e fatos vivenciados em UTI. E o artigo se desdobra citando vivências de pessoas ligadas à ciência com a experiência de quase-morte. Segundo o neuropsiquiatra Peter Fenwick , do Royal College of Psychiatrists de Londres, essas experiências de quase-morte “são tão alarmantes quanto intrigantes e podem conter a chave para a descoberta do que acontece não apenas quando morremos, mas também para a questão mais ampla da natureza do ser”.
O filósofo Wittgenstein dizia que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Os avanços nesse campo, nos nossos dias, ultrapassam esse ponto de vista. Um dos pioneiros nessa abordagem foi o médico Raymond Moody, autor do livro Vida Após a Morte. Mas Sam Parnia, citado acima, foi mais além. Ele se debruçou sobre o cotidiano no hospital britânico Southampton General, local em que começou a se interessar nas informações dadas por seus pacientes que passaram pelo momento clinicamente conhecido como o ponto de morte. Ele percebeu que a melhor compreensão sobre a morte pode ser atingida ao estudar experiências de quase-morte, quando o coração deixa de bater e , após onze minutos a consciência e atividade cerebral cessam. Segundo ele , esse estado permanece reversível por trinta minutos e é o modelo possível para que a ciência ultrapasse o portal para o desconhecido e construa uma teoria sobre o processo da morte. Diz o pesquisador: “Trata-se de uma brecha excepcional de compreensão para aquilo que experimentamos como o fim da vida”.
Há muitos casos de pessoas que descrevem suas experiências de quase-morte e que contam sua sensação de terem deixado seus corpos Há um caso da Nova Zelândia em que a pessoa diz que “sabia que estava numa existência diferente; em meu estado inconsciente e pensei : então isso é a morte. A única coisa que permaneceu foi que o meu espírito se movia separadamente de meu corpo...”.
De qualquer forma, a morte permanece como um mistério profundo. E podemos nos perguntar se o fato de ser cristão muda alguma coisa no modo de considerar e enfrentar a morte ? Qual a atitude cristã diante da pergunta sobre o sentido último da existência humana, que a morte nos põe continuamente?
A resposta se encontra na profundeza da nossa fé. A morte para o cristão segue as pegadas da morte de Cristo : a morte tem aparência de derrota mas é uma vitória e que é essencialmente não-morte pois aponta para a ressurreição final. Como se dará isso, precisamente, não sabemos. Não cabe à pessoa, de forma positivista, medir a imensidade do dom e das promessas de Deus que nos falou através do seu Filho Jesus Cristo.